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“A hora e a vez das favelas” – Artigo de Luiz Fernando Janot

Nos dois últimos artigos, eu tratei de questões envolvendo os Parques Olímpicos, o projeto urbanístico do Porto Maravilha e as condições de uso do BRT. Neste, pretendo abordar o programa Morar Carioca, considerado, na época, como mais um legado da Olimpíada de 2016.

 

Resultante de um concurso organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, o programa se destinava à urbanização de um conjunto de favelas em sintonia com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Tão logo os primeiros projetos começaram a ser desenvolvidos, verificou-se que a dotação orçamentária era insuficiente para a realização das obras.

 

Em consequência, os projetos foram interrompidos, e o programa relegado ao esquecimento. Hoje, podemos afirmar que a falta de urbanização das favelas e a não inclusão de equipamentos para fins sociais foram, em grande parte, responsáveis pelo fracasso de tal modelo de policiamento comunitário. Todavia, a sua perda de credibilidade se deve ao comportamento reprovável adotado por alguns policiais no cumprimento das suas funções.

 

Desiludidos, moradores e comerciantes constataram que as regras impostas pelos traficantes e milicianos continuavam prevalecendo. Além do rentável comércio de drogas, ainda controlam a venda de botijões de gás; as ligações clandestinas da internet; o transporte de passageiros em mototáxis; o mercado imobiliário informal; a locação de imóveis; e a cobrança compulsória de taxas de segurança.

 

Parte dos recursos obtidos com esses negócios ilícitos se destina a bancar a corrupção de policiais e políticos inescrupulosos; o contrabando e o comércio de armas; os sequestros de caminhões de carga; os roubos de automóveis e motocicletas; os assaltos a carros-fortes; as explosões de caixas eletrônicos; e outras modalidades de delitos.

 

Seria oportuno se certas camadas da sociedade, que atribuem a violência urbana exclusivamente à presença de favelas na cidade, se inteirassem melhor dos verdadeiros motivos da existência dessas comunidades em nossa história. O acintoso contraste entre a cidade dos possuídos e a dos excluídos revela que nada tem sido feito ao longo dos anos para reverter a pobreza e a miséria que predominam em nossa sociedade.

 

Atuar nas favelas, sob a égide do estado de direito, demanda investimentos sociais e uma política de segurança que envolva, solidariamente, os governos federal, estadual e municipal. Os recursos que atualmente são disponibilizados para manter tropas federais nas favelas cariocas bem que poderiam ser mais bem empregados nessas comunidades com outras finalidades. O que não se pode é continuar aceitando a omissão do Estado na tarefa de incorporar as favelas à cidade formalmente constituída. A titulação da propriedade possibilita a obtenção de crédito para melhorias habitacionais e para a formação de pequenas empresas locais, inclusive para executar obras de urbanização com assistência técnica especializada.

 

Por outro lado, toda a atenção deverá ser dada à formação educacional e cultural dos jovens que nascem e vivem nessas comunidades sob o estigma da violência. Trata-se de uma ação essencial para elevar a autoestima e estimular a juventude a ingressar no mundo do sonho e da esperança. Não há tempo a perder. É preciso deixar de lado os velhos preconceitos para romper o círculo vicioso que atinge as camadas mais pobres da população e que acirra a violência urbana em nossa cidade. É chegada a hora e a vez de olhar as favelas por uma ótica diferente daquela que tem prevalecido ao longo dos anos.

 

Como esse tema não faz parte dos projetos prioritários da prefeitura do Rio, vamos cobrar dos políticos eleitos, do futuro governador e do novo presidente da República uma atenção especial para enfrentar o espectro da violência que inferniza a vida de quem mora nas favelas ou no seu entorno. O momento atual é propício para essa iniciativa.

 

Artigo do arquiteto e urbanista Luiz Fernando Janot, ex-conselheiro federal do CAU/BR pelo Rio de Janeiro

 

(Fonte: O Globo)

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