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A MP 700 não corrige distorções antigas do sistema de desapropriações

 

A MP 700 trata de muitos assuntos e tem imperfeições de técnica legislativa, que não analisarei nessa oportunidade.

 

A respeito da desapropriação por empresas contratadas pelo Poder Público, em princípio me parece que a inovação poderá ser útil como meio de agilização e desburocratização de desapropriações. Trata-se de uma ampliação de dispositivo que vem desde a edição do Decreto-Lei 3.365, de 1941, que autoriza a desapropriação por concessionários e delegatários do Poder Público. No caso da MP, o Poder Público pagaria a empresa contratada, que por sua vez arcaria com as desapropriações com base em um orçamento inicial. Se o custo final for superior à estimativa inicial, a diferença poderá ser paga pela empresa, pelo Poder Público ou por ambos, a depender do disposto no edital que originou a contratação.

 

A vantagem com relação ao sistema atual é que o proprietário desapropriado não ficaria mais preso ao falido sistema de precatórios contra o setor público, cujo pagamento é sempre adiado. A sentença fixadora da indenização seria executada contra uma empresa privada, como uma dívida qualquer, o que autorizaria, por exemplo, a penhora e o leilão de seus bens em favor do credor.

 

A eventual revenda dos imóveis produzidos também não é uma novidade, tendo sido admitida pelo Supremo Tribunal Federal na década de 1970, quando o Município de São Paulo pretendeu reurbanizar o entorno das estações do metrô de Santana e de Jabaquara, como forma de otimizar sua utilização e de recuperar para o Poder Público parte de valorização imobiliária gerada pelo empreendimento.

 

O que preocupa no nosso sistema expropriatório são suas distorções antigas, que existem mesmo quando as obras são executadas diretamente pelo Poder Público: a ausência de vinculação obrigatória das obras a um plano urbanístico oficial e a imissão provisória na posse antes do pagamento integral da indenização.

 

O primeiro problema (falta de planejamento) reside na inexistência na legislação federal de um plano urbanístico de escala intermediária, definidor do desenho urbano, no qual as obras deveriam estar previstas como condição prévia para a desapropriação. Esse plano teria que ser detalhadamente regulamentado, para assegurar a autoria de urbanistas e a participação da sociedade. A MP 700 avança ao mencionar um plano de urbanização como condição para eventual revenda dos imóveis construídos pelos empreendedores, mas esse plano não está tipificado, ou seja, disciplinado em nenhuma lei urbanística, como o Estatuto da Cidade.

 

O segundo problema (imissão na posse sem indenização plena) é fonte de violência contra moradores e proprietários, que são expulsos sem poder comprar outro imóvel equivalente, e de irresponsabilidade fiscal, pois gera precatórios a serem pagos pelas gerações futuras. Isso acontece porque se criou uma compensação pela violação da Constituição (que exige indenização prévia, justa e em dinheiro), representada pela incidência de juros compensatórios, de 12% ao ano, devidos a partir da imissão na posse, e de juros moratórios, de 6% ano, devidos a partir da fixação do valor definitivo da indenização, além da correção monetária. A MP altera as formas de cálculo da desapropriação, para desonerar as finanças públicas, mas não muda em nada a imissão provisória na posse, que é a violência original a ser eliminada. Além disso, cria um sistema de registro e transferência dessa posse provisória, para permitir que os empreendimentos sigam em frente enquanto tramita a ação de desapropriação e a propriedade não é transmitida em definitivo para o Poder Público.

 

A MP é uma oportunidade de se discutir esses temas. Com relação ao planejamento, sugere-se acrescentar dispositivos definindo o conteúdo do plano de urbanização e sua forma de aprovação, exigindo que as desapropriações estejam nele previstas.

 

A imissão provisória deveria ser suprimida ou condicionada ao pagamento ao proprietário de um valor superior (em 20%, por exemplo) ao avaliado por um perito nomeado pelo juiz. Além disso, seria necessário criar uma etapa prévia de negociação com os proprietários, para se tentar chegar a um valor consensual e evitar o processo judicial.

 

Na realidade, ambas as questões existem no contexto do imediatismo que preside a realização das obras públicas. Tudo o que atrase a obra é visto como um obstáculo a ser removido: planejamento, indenização, licenciamento, etc. Cabe à lei corrigir essa distorção do sistema político, a fim de que o interesse público seja sempre preservado.

 

Victor Carvalho Pinto, doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP, é autor do livro “Direito Urbanístico: Plano Diretor e Direito de Propriedade”. Participou da elaboração de diversas normas federais relativas ao desenvolvimento urbano.

 

Publicado em 24/02/2016

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