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Artigo do conselheiro Luiz Fernando Janot: “Cidades ameaçadas”

O tempo passa e o Rio continua vítima dos seus velhos problemas estruturais. Com 6,5 milhões de habitantes e mais de um milhão de pessoas se deslocando diariamente dos municípios vizinhos para trabalhar na cidade era de se esperar que os governos estadual e municipal atuassem com maior empenho e objetividade nas questões recorrentes que comprometem o dia a dia da população.
 
A questão da habitação de interesse social é uma delas. A expansão descontrolada dos loteamentos periféricos e das favelas nos morros da cidade se deve, em grande parte, às dificuldades das camadas de baixa renda para adquirirem imóveis em áreas urbanizadas. Para os que vivem nessas localidades é revoltante observar a destinação perdulária de recursos para bairros amplamente servidos de equipamentos urbanos – como é o caso da Barra da Tijuca – enquanto a maioria dessas comunidades não possui, sequer, esgotamento sanitário, água potável, drenagem de águas pluviais e condições razoáveis de acessibilidade.
 
Nos dias de chuvas fortes as favelas se transformam em verdadeiras áreas de risco diante dos iminentes desbarrancamentos. O grande volume de água e de lama que escorre livremente pelas encostas, além de destruir casas e ameaçar vidas, entope bueiros e galerias das ruas vizinhas causando alagamentos e prejuízos incalculáveis. Não se dá conta do quanto é necessário eliminar as fronteiras reais e subjetivas que separam a cidade formal daquela que é construída na informalidade.
 
Neste aspecto há que se compreender, de uma vez por todas, que a urbanização das favelas é parte indissociável da urbanização da própria cidade. Alguns programas elaborados recentemente com esse objetivo não foram a diante pela absoluta falta de interesse das empreiteiras em participar desse tipo de obra pública. Para elas é mais rápido e lucrativo atuar na construção dos indefectíveis conjuntos habitacionais do programa “Minha Casa Minha Vida”.
 
Como alternativa, é preciso incentivar as propostas inovadoras que utilizem mão de obra local e a experiência dos moradores. Cada favela deve ser urbanizada sem desprezar o seu contexto social, cultural, econômico e territorial. Este é um tema complexo que exige uma percepção rigorosa de parte do órgão responsável pelo planejamento urbano da cidade. Aqui, cabe uma pergunta: por acaso existe algum órgão efetivamente responsável pelo planejamento urbano integrado da cidade? Pelo que se pode deduzir dos acontecimentos recentes não será difícil acertar a resposta.
 
Outro grave problema que não pode ficar restrito às ações de caráter imediatista são os assaltos que ocorrem escancaradamente nas ruas, nos parques, nos ônibus, nos engarrafamentos e em outros lugares inimagináveis. A sensação que se tem é a de que nesse bingo da morte cada individuo, sem distinção de classe, poderá se transformar, a qualquer momento, em mais um número a engrossar as estatísticas policiais.
Não há dúvida de que câmeras de vigilância, policiamento ostensivo, uma justiça mais ágil e um sistema carcerário decente, juntos, poderiam reverter gradativamente esse quadro de insegurança. Nova York mostrou que com vontade política e determinação podem-se obter resultados surpreendentes. É preciso, no entanto, compreender que a segurança pública é algo bem mais complexo do que imaginam certas pessoas que estigmatizam os pobres ao invés de se preocuparem com a erradicação da pobreza.
 
Atualmente, tem sido comum observar alguns segmentos da sociedade, por interesses diversos, proporem indiscriminadamente a redução das funções do Estado. Em relação ao planejamento e gestão dos espaços públicos, o discurso da vez é exaltar a realização das parcerias público-privadas, como se deu no Porto Maravilha. Essa subserviência ideológica aos ditames empresariais tem sido responsável, em muitos casos, pelos graves desvios verificados na execução e na qualidade das obras públicas no Brasil. Para conhecer alguns exemplos que demonstrem a veracidade desta afirmação basta acessar diariamente os veículos de comunicação.
 
Por tudo isso, nos parece oportuno enfatizar a necessidade de promover uma reflexão menos ideologizada sobre essas e outras questões que interferem diretamente no cotidiano da sociedade. Só assim poderemos encontrar os meios e as ações cabíveis para reverter a perspectiva sombria que ameaça o futuro das nossas cidades.
 
 

 Artigo de Luiz Fernando Janot, Conselheiro Federal do CAU/BR pelo Rio de Janeiro.

 

Publicado em 11/04/2016.

Fonte: Jornal O Globo

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0 resposta

  1. Otimo artigo, Janot! Comecei bem o domingo: li teu artigo!
    E fiquei curioso com tua afirmação de que .”Alguns programas elaborados recentemente com esse objetivo não foram a diante pela absoluta falta de interesse das empreiteiras em participar desse tipo de obra pública. “. Onde é que isso aconteceu?
    Quanto à falta de planejamento, ontem e hoje participei de reunião do CAU. O foco ficou no processo participativo.
    Nada sobre como planejar e administrar cidades de forma eficiente, eficaz correta Com o saber da geografia, economia, direito, sociologia e tantos outros. Incluindo grupos de interesse e pessoas, mas…. Nada! Como diria Brizola nos anos 60, se você ideologiza,….

  2. Concordo com o professor e sempre me questiono do porque não termos órgãos nas 3 esferas de governo que regulem as normas urbanísticas, que fiscalizem com poderes de polícia a execução de obras mal feitas e foras de norma, que cobrem das construtoras o cumprimento de prazos estabelecidos nos contratos. Hoje o cidadão é refém das empresas de construção. Não há nenhum órgão que ajude ao cidadão de média ou baixa renda a construir a sua casa ou auxiliar em uma reforma. Os municípios não possuem o menor interesse em organizar espacialmente a cidade e as ações são pontuais e isoladas de um governo. Espero sinceramente que um dia seja necessária a apresentação de RRT ou ART para a compra de determinados materiais de construção.

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