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Artigo: Mais cidade, menos violência

Uma das mais impressionantes realizações do povo brasileiro é a produção de moradia urbana. Se o crescimento demográfico do país foi gigantesco, o crescimento do número de moradias foi ainda maior.

 

A partir de meados do século XX, o Brasil multiplicou sua população urbana em 15 vezes, único no mundo segundo importantes estudiosos. Já o número de moradias multiplicou-se 30 vezes. Mas, dos 70 milhões de unidades, quatro quintos foram produzidos sem financiamento.

 

Sem financiamento, o povo constrói suas casas com muito sacrifício e parcos recursos. (Você já imaginou o que implica erguer a casa sem financiamento, sem herança e sem acertar na loteria?) Por óbvio, a família não pode produzir as infraestruturas sanitárias, elétricas, de mobilidade e os serviços públicos, ação que é própria do coletivo e dos governos — que tampouco os produziram. Logo, em grandes parcelas urbanas, tem-se moradia, mas não se tem cidade.

 

Ainda assim, consolidou-se no país um extraordinário sistema urbano onde se incluem 20 metrópoles e duas megacidades.

 

Porém, ainda que a população não venha a crescer, como se prevê, o Brasil construirá mais 40 milhões de moradias nesta geração. Na regularidade, se houver financiamento; na precariedade se ele não existir.

 

É neste contexto que manter recursos do FGTS dedicados à moradia, como anunciou o governo, é muito importante. O Fundo é fonte essencial de financiamento — ainda que não deva ser o único. Mas como? Insistindo na construção de conjuntos residenciais do tipo Minha Casa Minha Vida (MCMV)? Insistindo em modelo falido desde os tempos do BNH? É hora de rever este caminho.

 

Nos últimos dez anos, em que foi priorizada a construção de moradias via grandes conjuntos residenciais, tipo MCMV, o déficit habitacional se manteve, e as famílias continuaram construindo somente às suas custas. Porque pouco se investiu em urbanização, bairros populares continuam sem infraestrutura e sem serviço —e sem Estado.

 

Como habitação é casa + cidade, uma política habitacional que reconheça a realidade brasileira precisa contemplar um tripé programático:

1) produzir moradias;

2) urbanizar as áreas onde o povo construiu e não tem redes e serviços;

3) ) melhorar as moradias existentes, tirando-as da insalubridade e da precariedade.

 

A urbanização é tarefa em que o país já teve boa experiência. Os resultados são imediatos em saúde pública, em qualidade de vida e em redução da violência.

 

Já o crédito para a família melhorar a casa e deixar a insalubridade exige um choque na burocracia financeira. Mas temos bons exemplos com excelentes resultados e lei que dá base para um trabalho conjunto de assistência técnica.

 

Estas duas últimas modalidades que compõem o tripé são enorme estímulo à indústria de materiais de construção e à mão de obra, reduzindo o desemprego.

 

Ademais, se as famílias dispuserem de crédito fácil e barato, como as empreiteiras dos grandes conjuntos residenciais do MCMV dispuseram, imaginem!, poderão construir ou comprar moradia na regularidade, onde lhes for mais conveniente. Teremos cidades mais equilibradas, investimentos distribuídos — mais emprego, desenvolvimento econômico e social. Urbanizar bairros populares e financiar a moradia é mais cidade, mais Estado, menos violência.

 

O Brasil precisa enfrentar esse desafio, que não é somente nosso, mas de boa parte do mundo. Aqui se reunirá o Congresso Mundial de Arquitetos, em 2020, o maior evento da arquitetura e do urbanismo. Ouvindo as experiências do mundo, dispostos a estudar caminhos com a sociedade e os governos em busca de propostas inovadoras, poderemos melhorar nossas cidades, criar mais empregos, desenvolver o país.

 

Homenageio o arquiteto e amigo Demetre Anastassakis, comprometido sempre com o desenvolvimento da habitação, sobretudo a popular, que, infelizmente, nos deixou há poucos dias. Enorme perda!

 

Por Sérgio Magalhães, arquiteto e urbanista, ex-presidente do IAB Nacional e presidente do Comitê Executivo do UIA2020Rio

 

Fonte: O Globo

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