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CAU Brasil, IAB e FNA apoiam Lei Padre Júlio, mas condenam termo arquitetura hostil

Em audiência pública promovida hoje (06/10) pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados hoje, o CAU Brasil, a direção nacional do IAB e a FNA manifestaram integral apoio ao mérito do Projeto de Lei “Padre Júlio Lanceloltti”, que veda o uso de obstáculos físicos para afastar a população em situação de rua dos espaços livres de uso público, mas fizeram veemente apelo pela retirada do documento do uso do termo “arquitetura hostil” para nomear essa prática cruel. 

 

“A arquitetura é o instrumento para que nós possamos qualificar a vida humana, a vida dos seres através de espaços projetados, pensados para o acolhimento”, afirmou Ednezer Flores, conselheiro federal do CAU Brasil pelo RS.  “A arquitetura trata da vida, do corpo e da alma, e de nosso lugar no mundo.  Não podemos inscrevê-la para designar aquilo que ela não é”, argumentou a presidente do IAB, Maria Elisa Baptista. “O correto é falar em técnica hostil de construção do espaço urbano que precisa ter um contraponto. E a forma de contrapor é a arquitetura de inclusão”, disse a presidente da FNA, Eleonora Mascia.

 

O PL 488/21 foi apresentado pelo Fabiano Contarato (Rede-ES) logo após episódio de grande repercussão nacional, ocorrido em fevereiro deste ano, em que o Padre Júlio Lancelotti, que atua em pról da população de rua em São Paulo, quebrou a marretadas blocos de paralelepípedos instalados pela Prefeitura da capital paulista sob viaduto o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, na zona Leste da cidade.

 

Fabiano Contarato

 

“A cidade tem que ser inclusiva. Ela não pode ser exclusiva, ela não pode extirpar”, afirmou o senador durante a audiência. Ele lembrou que dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de março do ano passado estimavam a existência de 221 mil pessoas morando nas ruas do Brasil. Para o padre Júlio Lancelotti, vigário episcopal da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, o projeto não traz implícito o desejo que as pessoas possam viver embaixo dos viadutos, mas de que haja políticas públicas de moradia, de habitação.

 

Padre Júlio Lancelotti

 

“O que nós queremos terminar, e esse é o espírito maior desse projeto, é com a chamada arquitetura hostil, que tem o aspecto simbólico de rejeição, de solidão, de descarte, de desprezo, de ausências de política pública. Então nós queremos que cesse toda forma de arquitetura hostil, com pedras pontiagudas, com cercas elétricas, com chuveirinhos que jogam água em cima das pessoas, com obstáculos arquitetônicos em bancos e em outras entradas, até de igrejas, de agências bancárias, de prédios públicos”, disse o padre durante a audiência.

 

A proposta altera o Estatuto da Cidade, que passaria a incluir a promoção de conforto, abrigo e acessibilidade dos espaços públicos como uma diretriz de política urbana. O relator é o senador Paulo Paim (PT-RS).  A audiência pública foi convocada pelo deputado Joseildo Ramos (PT-BA), que afirma existir registros, desde 1994, em várias cidades do país, de construção de grades, espaços com pedras ponteagudas e outros obstáculos para evitar a permanência de moradores de rua. “A questão é grave e merece ser amplamente debatida nesta Casa.”

 

“ARMAR ESPAÇOS COMO PARA A GUERRA NÃO É ARQUITETURA, É VIOLÊNCIA”

Para Maria Elisa Baptista, presidente do IAB/DN, “a justificativa do projeto de lei é pertinente e incisiva. Trata-se, sabemos, de garantir o direito à cidade, o direito à vida, o tratamento justo, igualitário e democrático de todos os cidadãos e cidadãs. Trata-se de reconhecer o espaço público como o lugar de todos, e incluir esta postura como diretriz da formulação da política urbana no Estatuto das Cidades”.

 

“No entanto, trazemos o pedido compartilhado com o CAU e a FNA: que o nome que designa essa crueldade urbana não seja arquitetura hostil. O que o PL 488 acertadamente quer impedir não é arquitetura. Equipar espaços para que não sejam usados, armá-los como para a guerra, expulsando as pessoas que ali podem encontrar abrigo e descanso, não é arquitetura, é violência. São decisões políticas e econômicas autoritárias e excludentes”.

 

Maria Elisa Baptista

 

“A arquitetura trata da vida, do corpo e da alma, e de nosso lugar no mundo”, afirmou a presidente do IAB. “É preciso restaurar no imaginário de todos nós essa capacidade da arquitetura de projetar e executar espaços  acolhedores, generosos, democráticos, que nos mostrem a beleza, nos humanizem, para que ela de fato, feita por muitas mãos, pensada por muitas cabeças, reinvente nosso lugar na cidade. Um lugar de todos”.

 

Maria Elisa Baptista chamou a atenção para o fato de não existir no Estatuto da Cidade a palavra arquitetura. “Ela está, todo o tempo, subentendida nos textos sobre a regulamentação da função social da propriedade, ao falar dos equipamentos urbanos, da moradia, do uso do solo, do patrimônio. O Estatuto trata das questões que a arquitetura trata, mas a palavra arquitetura não está escrita. Não podemos inscrevê-la para designar aquilo que ela não é”.

 

“OS ELEMENTOS CONSTRUTIVOS HOSTIS É QUE TÊM QUE SER COMBATIDOS”

 

Ednezer Flores deixou claro que o CAU é parceiro, quer contribuir para a existência da lei, mas pediu a compreensão da relatoria para a retirada da terminologia arquitetura, “tão caro é para nós como profissionais, e tão relevante para a sociedade ter o entendimento de que o profissional de arquitetura e que a arquitetura é sim um instrumento para qualificar o bem social, o espaço urbano para a convivência de todos nós”.

 

Ednezer Flores

 

“Os elementos construtivos hostis ou intervenções, é que têm que ser combatidos. Porque a arquitetura é sim e tem que ser voltada para o acolhimento. É evidente que não se quer uma marquise como sendo local de acolhimento, se quer é que aquele usuário da marquise tenha uma habitação, tenha um local, tenha um refúgio, tenha sua dignidade resgatada. E muito menos queremos que a arquitetura dê espaço para a implementação de elementos hostis”, afirmou o representante do CAU Brasil.

 

“O grande drama que se vive, hoje, assim como o vírus do SARS-COV, é a desigualdade. Esse é o vírus maior, esse é o vírus complicado, que nós temos que trabalhar na mente dos gestores públicos para que possam, dentro do regramento municipal, dar a possibilidade de ter acolhimento. Instrumentos públicos, moradia digna  e equipamentos urbanos de acolhimento à mulher que sofre a violência, ao morador de rua, estão aí, são previstos, é possível fazermos, basta querermos aplicar legislações e trabalharmos com políticas públicas para que isso ocorra”, afirmou Ednezer Flores.

 

“USO DE FORMA COORDENADA DE TÉCNICAS COSNTRUTIVAS HOSTIS É UMA BARBÁRIE”. 

 

Para Eleonora Mascia, “as pessoas estão sendo levadas a morar na rua e estão sendo levadas a morar na rua porque  não tem mais  condições de pagar o aluguel, estão  sem emprego, sem renda e quem ainda tem renda perdeu a capacidade de pagar suas contas e está indo viver na rua. Então essa questão importante que o Padre Júlio Lancellotti , a Pastoral do Povo de Rua e o Movimenta População de Rua trazem que é essas pessoas não são invisíveis, são seres humanos que estão vivendo  na rua, transitório ou por um tempo mais longo, porque não tem outra alternativa, não tem casa pra poder voltar”. Em paralelo, afirma, a política nacional de habitação no país, em especial a voltada para a habitação de interesse social, vem sendo destruída nos últimos anos

 

Não é possível que se naturalize o uso de forma coordenada de técnicas de construção hostis – é disso que se trata, não de arquitetura –  para afastar as pessoas do espaço público  como  não pode ser naturalizado  botar fogo em um morador de rua Isso é barbárie”

 

Eleonora Mascia

 

“Uma sociedade que invisibiliza um problema social grave, existente e que não vai terminar de uma hora para outra é uma sociedade que perdeu a noção do que é civilização. Então, de fato, nós temos um compromisso, as entidades de arquitetura e urbanismo têm um compromisso fundamental e importante, que é pautar de uma forma geral para a sociedade de que a arquitetura precisa ser o contraponto a essa hostilidade, essa técnica hostil de construção do espaço urbano”, concluiu.

 

Segundo o relator da proposta na Comissão de Desenvolvimento Urbano, deputado Josenildo Ramos, a escolha do termo “arquitetura hostil”. “O termo foi colocado de maneira deliberada para que vocês colocassem essa questão de maneira didática e oportuna. O objetivo foi esse e não foi por acaso. Parece que nós não estamos tratando de uma questão ideológica, e sim, tão somente, de uma questão humanista, de solidariedade, de busca de equidade, de busca de universalização de direitos”, observou.

 

Josenildo Ramos

 

O relator afirmou que a proposta está aberta a sugestões das entidades para mudanças. O projeto segue em debate na Câmara dos Deputados e ainda não tem data prevista de votação.

 

Confira a íntegra da Audiência Pública da Câmara dos Deputados


 

 

 

 

 

 

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