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“Contratação integrada” comparada no mundo: o Brasil na contramão da história

A “contratação integrada”, nos moldes como concebida no direito brasileiro, não encontra respaldo nas melhores práticas internacionais. Foi o que demonstrou o advogado Henrique Savonitti Miranda, especialista em licitações públicas, na palestra “Contratação integrada: o Brasil na contramão da história”, realizada no evento “Diálogos Infra”,  promovida pelo Tribunal de Contas da União, em seu auditório, no dia 28 de junho.

 

A comparação é importante no momento em que a Câmara dos Deputados discute a nova Lei de Licitações, cujo projeto prevê a incorporação e ampliação da modalidade de “contratação integrada” pela União, estados e municípios, para obras e serviços com valores acima de R$ 10 milhões. A modalidade permite a contratação da obra pública com base em um simples anteprojeto, ficando por conta da empreiteira vencedora a elaboração dos projetos básico e executivo. Outra modalidade igualmente prevista no projeto da nova Lei de Licitações  é a “contratação semi-integrada”, em que a licitação é feita a partir de projeto básico.

 

Clique aqui para saber mais sobre a tramitação do projeto na Câmara. 

 

Veja também palestra realizada no mesmo evento pelo Secretário de Fiscalização e Infraestrutura Rodoviária e de Aviação do órgão, Luiz Fernando de Souza: Os problemas da “contratação integrada” na visão do Tribunal de Contas da União. 

 

Henrique Savonitti Miranda é Doutorando em Direito pela Università di Udine (Itália) em co-tutela com a Université de Toulon (França). Master di II Livello em Direito Administrativo (Organizzazione, management, innovazione nelle Pubbliche Amministrazioni) pela Università La Sapienza, de Roma (Itália), o advogado é autor de diversos livros, entre eles “Licitações e Contratos Administrativos”.

 

Segundo o especialista, uma das principais diferenças entre nossa proposta para a “contratação integrada” e a prática internacional é que os países europeus que a adotam, assim como os Estados Unidos, estabelecem critérios e procedimentos bastante rígidos para a sua utilização.

 

 VLT de Cuiabá: exemplo de fracasso e objeto da Lava-Jato

 

 

“Inicialmente, cumpre ressaltar que a escolha das empresas de engenharia e arquitetura o corre sempre com base em sua competência, qualificação e experiência, e jamais pelo preço, como previsto no Books Act, dos Estados Unidos, e no Rating di impresa da Itália”.

 

A Itália  “acentua a valorização da fase de projeto, promovendo-se a qualidade arquitetônica e técnico-funcional, inclusive mediante a adoção dos concursos de projetos e utilização progressiva de métodos e instrumentos eletrônicos específicos”.

 

Nos Estados Unidos, “prepondera a observância do conjunto de habilidades dos licitantes, a locação e gestão de riscos, índices de desempenho, alterações do projeto, gestão e fiscalização do contrato, garantias de qualidade, segurança, entre outros”.

 

Na França, “prevalecem razões relacionadas a complexidade, dimensões, dificuldades técnicas, ou melhoria da eficiência energética do empreendimento”.

 

O CAU/BR, o CONFEA, o SINAENCO, a ANETRANS  e diversas outras entidades do setor de projetos e construções apoiaram o evento.

 

Advogado Henrique Savonitti Miranda, especialista em licitações públicas, na palestra “Contratação integrada: o Brasil na contramão da história”.

 

Saiba mais detalhes:

 

ITÁLIA: O “Appalto Integrato Complesso ” no Direito Italiano

 

– Modelo não surtiu os efeitos esperados, acarretando uma substancial reserva de mercado nas mãos das grandes construtoras e provocando uma explosão na utilização dos aditivos contratuais (Autorità Nazionale Anticorruzione -ANAC, Parecer de precontencioso n. 68/2013. Conselho de Estado, Acórdão nº 258/2012. Conselho de Estado, Acórdão nº 1019/2009)

 

– Lei nº 114, de 11 de agosto de 2014, que estabeleceu “medidas urgentes para a simplificação e a transparência administrativa e para a eficácia dos órgãos judiciários”, introduziu a obrigatoriedade de se comunicar à ANAC,  no prazo de 30 dias, os aditivos que superem 10% do valor inicial dos contratos de obras públicas para avaliação da agência e adoção de eventuais medidas cabíveis.

 

– Lei nº 11/2016, art. 1 °: “valorização da fase de projeto nas obras públicas e nos contratos de concessão de obras públicas, promovendo-se a qualidade arquitetônica e técnico-funcional, inclusive mediante a adoção dos concursos de projetos e utilização progressiva de métodos e instrumentos eletrônicos específicos, tais como os de modelagem eletrônica e informática para as construções e obras de infraestruturas, limitando radicalmente a utilização da contratação integrada, levando em consideração o conteúdo inovativo e tecnológico…”

 

– Código de 2016 vetou a contratação integrada, passando a permitir apenas a contratação semi-integrada.

 

– Corretivo de 2017 tornou possível a “adjudicação conjunta da projetação e da execução da obra” nas hipóteses de “general contractor”, project finance”, concessões, PPPs e obras de urbanização.

 

 

FRANÇA: O “Marché de Conception -Réalisation ” no Direito Francês

 

– Código de 2006: somente poderiam utilizar a contratação integrada (“services intégrés d’ ingénierie”) quando justificável por razões de ordem técnica ou visando a obter uma melhoria da eficiência energética do empreendimento.

 

– No entanto, a falta de uma regulamentação mais minuciosa acabou propiciando inúmeras situações de utilização indevida do instituto.

 

– Corte de Apelação de Nancy: “contratações complexas, justificadas por condições de concepção, execução, implementação e operação, dimensões excepcionais ou dificuldades técnicas específicas”.

 

– Conselho de Estado francês: só se justifica por razões relacionadas à “complexidade, dimensões incomuns ou dificuldades técnicas especiais”.

 

A partir do Code des Marchés Publics de 2016 e do Code de la Commande Publique de 2018 (a rt . L2171-2), a contratação integrada só poderá ser adotada nos seguintes casos:

 

  1. quando estiverem presentes razões de ordem técnica relacionadas às condições de concepção, realização e implementação; b) nas hipóteses de contratações caracterizadas por dimensões incomuns ou dificuldades técnicas especiais; e c) nas contratações que tenham por objetivo uma melhoria da eficiência energética do empreendimento.

 

Após a apresentação das propostas, os projetos serão analisados por uma comissão independente, que elaborará um parecer sobre as propostas classificadas e, em decisão fundamentada, escolherá o vencedor do certame, atribuindo -lhe o contrato. A entidade adjudicante pode, ainda, solicitar esclarecimentos ou informações adicionais sobre as propostas apresentadas pelos candidatos, sem que isso represente uma alteração dos elementos fundamentais da proposta ou das características essenciais do objeto.

 

ESTADOS UNIDOS: O “Design/Build” no Direito Estadunidense

 

– Apenas cerca de 41% dos empreendimentos americanos utilizam essa metodologia, sendo que a grande maioria dos contratos se situa no âmbito da iniciativa privada. Há regras muito específicas quando utilizada no âmbito da Administração Pública.

 

– O Regulamento de Aquisições Federais (Federal Acquisition Regulation –FAR), estabelece que os procedimentos de seleção de concepção -construção (design -build) devem ser utilizados quando o gestor contratante entender que a metodologia é a mais adequada para realizar a contratação, respeitados os seguintes critérios:

 

  1. apresentação de três ou mais propostas;
  2. avaliação das despesas e custos substanciais envolvidos na execução do projeto; e
  3. observância de outros aspectos, como a definição precisa do objeto, prazo de entrega, capacidade e experiência dos executores, adequação do projeto a essa metodologia de trabalho, capacidade do órgão para gerenciar a contratação, entre outros.

 

– Seção 36.303: o aviso de licitação pode ser elaborado contemplando ambas as fases, ou cada fase isoladamente.

 

– Apesar de sua previsão expressa no Federal Acquisition Regulation, alguns Estados não possuem normas que autorizam a sua utilização.

 

Henrique Savonitti Miranda é mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca. Especialista em Direito Tributário pelo IBET/PUC-SP e IBDT/USP. É autor de vários livros, alguns publicados pelo Senado Federal (“Curso de Direito Administrativo”, 5a Ed, 2007; “Curso de Direito Constitucional”, 5a Ed, 2007 e “Licitações e Contratos Administrativos”, 4a Ed, 2007).

 

Confira abaixo a apresentação completa do advogado Henrique Savonitti Miranda, até o minuto 34:42:

 

 

 

Veja pdf da apresentação 

 

Veja ainda: documento do CAU/BR e demais entidades de Arquitetura e Urbanismo “Em defesa da ética, do planejamento e da qualidade das obras públicas

2 respostas

  1. Prezados colegas
    É claro e cristalino, que a LC 8666 já está ultrapassada, por isso precisa passar por uma modernização normativa ampla e clara, ou seja, é nítido que o RDC foi uma forma que nas gestões anteriores encontraram para de forma não clara, os omissos e os aditivo das grandes obras públicas.
    Por questão de economicidade e transparência na gestão Pública, sou contra esse modelo vigente.

  2. Eventualmente me manifesto,a respeito, não por omissão,ou não possuir opinião formada, em áreas ou assuntos diversos,de nossas áreas de atuação plena.
    Mas com relação a este importante tema citado no CAU/BR, penso que meu breve comentário,de maneira simples possa traduzir,minha visão.
    Volto ao tempo,para citar a “CONSTITUIÇÃO CIDADÂ-1988.
    Porque o faço,atualmente leio dos nomes mais ilustres,das diversas áreas do conhecimento, que o País Brasil,está vivendo uma desfunção constitucional.Motivada pela defasagem do não desenvolvimento equilibrado de nossas sucessivas “administrações”,nas esferas municipais,estaduais e federais.O choque e conflito,chega nas absurdas “licitações”,que foram “arquitetadas”,com fins negativos,e totalmente excusos.havia muito dinheiro para ser posto fora,não precisava de licitações.A engenharia e a arquitetura,não devem mais aceitar estas regras.Os especialistas deste artigo,são claros.O “PROJETO COMPLETO”,é vital e fundamental.Há tecnologia para tal,o resto é política inadequada,e legislação superada,velha,caduca.Não condiz com o Século XXI.A hierarquia funcional constitucional,está velha,a casa do povo,deve pensar o povo,agir em prol da melhor tecnologia,brasileira.A arquitetura nacional é rica.As licitações devem seguir o nosso viés cultural,econômico,industrial,de avanço sempre.E não simplesmente copiar,alterar,remendar,e transformar os arquitetos e engenheiros,apenas como “agentes”.Não,somos autores,nossos projetos,devem ser resguardados, por uma boa contratação,pois nosso a”acervo técnico individual”,é sagrado.E não para ficar desgastado por obras mal contratadas,ou inacabadas,como a citada na matéria.
    Sou a favor de uma legislação modernizada e realista ao Brasil e ao Mundo.Chega de remendos políticos.Arquiteto e Urbanista,pesquisador,escritor ex-professor.William Cunha Pupe-CAU/RS A10912-6

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