ARQUITETURA SOCIAL

Desabamento de prédios na comunidade de Muzema é reflexo da ausência do Estado

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil e do Rio de Janeiro se solidarizam com as famílias das vítimas de mais uma tragédia urbana brasileira, dessa vez ocorrida na comunidade da Muzema, no bairro Itanhangá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, com o desabamento de dois prédios.

 

Infelizmente, essas tragédias vêm ocorrendo com frequência espantosa e de modo generalizado pelo país. Há mais de cinco décadas, o Brasil se transformou de um país com população predominantemente rural para majoritariamente urbana. Atualmente, 85% dos brasileiros moram em cidades. No entanto, insistimos em relegar prioridade para uma agenda urbana que se impõe e demanda uma radical mudança de ação do poder público e sua relação com a sociedade.

 

Foto: Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo

 

Esta tragédia, como outras, é reflexo de um conjunto de problemas que incluem, mas vão além, da ausência de responsável técnico habilitado em atividades de projeto e obra de construções.

 

As cidades brasileiras, historicamente, expandem-se através de um modelo de urbanização excludente, que negligencia fatores como desigualdade social e meio ambiente sustentável. Ao deixar de garantir direitos fundamentais como acesso à terra infraestruturada, à moradia e à mobilidade urbana, o Estado se exime de sua responsabilidade constitucional de garantir o direito à cidade aos cidadãos. Sem a presença do Estado e de políticas públicas consistentes, o cidadão ou é deixado à sua própria “sorte”, dando margem a autoconstrução sem assistência técnica, ou fica à mercê da exploração por agentes que agem à margem da lei. O resultado é a insalubridade, a ocupação de áreas de risco, habitat precário e, como na tragédia de hoje, o desabamento de moradias. Na ausência do Estado, o território é ocupado pelo tráfico de drogas e pela milícia. O sonho se transforma em pesadelo. Levantamento do Instituto Pereira Passos aponta que os assentamentos informais e precários da cidade do Rio de Janeiro tiveram ano passado o maior crescimento territorial comparativo desde 2012. Tal expansão é fruto da falta de ações do poder público, materializadas em políticas de produção de habitação de interesse social, de urbanização de favelas e de regularização fundiária.

 

Como causa e consequência desta ausência de políticas e de ações efetivas, a prefeitura desmontou seus quadros técnicos e praticamente extinguiu sua capacidade de planejar e projetar. A cidade não tem o real diagnóstico dos seus problemas, nem planos para superar seus desafios não só urbanísticos, como também ambientais, econômicos e sociais. No lugar de investir no desenvolvimento de projetos para a cidade, gestores públicos empregam recursos expressivos para resolver situações emergenciais. É a política do enxuga gelo.

 

Vivemos um cenário de desmonte não só de políticas, como também de legislações e de instrumentos de controle, de que são exemplos a recente extinção dos conselhos nacionais para a definição de políticas públicas. Entre eles, o Conselho das Cidades.

 

O CAU está comprometido desde sua criação com um país que crie e mantenha espaços de justiça e cidadania e vem atuando em diversas frentes para garantir o direito à cidade e os compromissos assumidos em relação ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e da Nova Agenda Urbana estabelecida na conferência Habitat III, ambas da ONU.

 

Em respeito às vítimas das frequentes tragédias urbanas, e pela preservação da segurança e qualidade de vida das cidades brasileiras, a questão urbana deve ser prioridade das ações políticas nacionais.

 

 

 

2 respostas

  1. Entendo que os CAU/UFs, com apoio do CAU/BR, devam estar preparados de maneira imediata para assumir posição de protagonismo tanto na cobrança do resgate ou criação de estruturas de planejamento e monitoramento urbano nos municípios, como na apuração das responsabilidades pelas tragédias que se sucedem nas cidades brasileiras destacando comissões especiais para averiguação de suas causas e responsabilidades. Poderia ser através das próprias CEPUAs ou de comissões técnicas organizadas pelas CEPUAs e compostas por profissionais que se disponham a compô-las voluntariamente. Sou dos que não aceitam que tais tragédias sejam geológicas, hidrológicas ou sociológicas. A meu ver são antes de tudo tragédias urbanísticas, ou melhor, crimes urbanísticos pois quase na totalidade dos casos decorrem do descumprimento da legislação do uso do solo, em especial da ocupação irregular das áreas de risco definidas por lei, mais que irregular, criminosa por parte das autoridades municipais que têm a obrigação, não prerrogativa, de fazer com que a legislação urbanística seja cumprida, e dos MPEs que também tem por dever e obrigação fazer e assegurar que as leis sejam cumpridas. Sem isso as tragédias se repetem, as pessoas morrem e a ciência do Urbanismo vai para a lata de lixo com todos os Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano e todos os profissionais que se dedicam à essa tão importante e negligenciada área no Brasil.

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