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Direito à moradia é impactado por mudanças legais recentes

O direito à moradia adequada, em sua estreita relação com o direito à cidade, pautou  segundo Grande Debate do 21º Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado na noite desta sexta-feira, 11, no Salão de Atos da UFRGS em Porto Alegre.

 

A visão legal sobre o Direito Urbanístico mobilizou as maior parte das intervenções do público após as palestras. O tema foi abordado pela jurista e professora Betânia Alfonsin, que apresentou ao público o conceito de “desdemocratização”, e como este se aplica à política urbana no Brasil hoje.

 

Foto: Marcos Pereira/CBA

 

Betânia aponta que o período que seguiu a Constituição de 1988 foi marcado por um traço democrático muito importante, “contudo, desde 2016, quem trabalha com política urbana assiste a profundas transformações desse marco legal, e isso é a desdemocratização”, explica.

 

Indicadores desse processo vão desde a extinção do Ministério das Cidades e a falta de perspectiva da realização das Conferências Nacionais das Cidades, até a promulgação da Lei nº 13.456/2017, oriunda de Medida Provisória do governo federal e que impacta diretamente o direito à moradia.

 

“Todo processo de regularização fundiária que envolvia a reurbanização desses territórios é secundarizada, e o que triunfa é um modelo de mera titulação dessas posses que serão convertidas em propriedade”, explica.

 

Para ficar mais claro o entendimento, Betânia compara essa função na lei: antes, o objetivo da regularização era garantir o direito social à moradia com pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana; agora, objetivo reduzido à incorporação de núcleos urbanos informais e ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.

 

“Ou seja, substitui o direito à moradia adequada, que na legislação internacional é muito mais amplo que segurança da posse, pela mera titulação”, explica. A professora demonstra preocupação nesse ponto por entender que a titulação só garante a segurança da posse se combinada a outras medidas.

 

A caracterização de uma área regularizada como Zona Especial de Interesse Social (Zeis) era uma dessas possibilidades. Mas, com a legislação de 2017, houve um descolamento das políticas de regularização fundiária do Plano Diretor, que deixa de ser uma referência nesse ponto.

 

Para Betânia, “o Brasil está desmontando a política urbana construída nesse período democrático, desmontando bastante o direito à cidade e à moradia”. No início e ao encerrar sua fala, a professora saudou a iniciativa do Instituto dos Arquitetos do Brasil por pautar a democracia como tema do seu congresso.

 

Conquistas da redemocratização devem ser fortalecidas

 

Nabil Bonduki pegou como gancho a preocupação manifestada por Betânia para sustentar que, “estamos num processo em curso com forças com interesse em fazer com que (a democracia) acabe e forças que não querem que acabe, querem dar continuidade”.

 

O arquiteto e urbanista, que teve experiências na gestão municipal de São Paulo e no governo federal, entende que, no período de redemocratização, o país soube “encontrar e construir caminhos para que pudéssemos avançar em relação ao direito à habitação”.

 

A fala de Bonduki também considerou o tema da regularização fundiária e a definição das Zeis no Plano Diretor. “Se não tivéssemos durante muito tempo batalhado para que a terra fosse de quem nela mora, muitos desses trabalhos de urbanização de favela não teriam sido feitos”.

 

A referência foi feita aos exemplos apresentados um pouco antes pela arquiteta e urbanista Bete França, que também tem experiência de atuação na administração municipal. Ela apresentou o caso de reurbanização do Jardim Edite, favela localizada em área nobre da cidade, reservada para habitação de interesse social no Plano Diretor de São Paulo.

 

“Muitos arquitetos falam hoje que Plano Diretor não serve para nada. Mas, se não tivesse plano com previsão de Zeis, não teria sido feito conjunto Jardim Edite”, sustenta Nabil. Ainda assim, ele lamenta como “um dos grandes equívocos que tivemos nas políticas federais, inclusive no Ministério das Cidades, foi retirar o protagonismo do município na política habitacional”.

 

Acesso da população à arquitetura

 

Logo no início de sua apresentação, a arquiteta e urbanista Bete França convidou o público a pensar sobre o papel profissional que exercem, citando uma pesquisa do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de 2015: naquele ano, 50% dos brasileiros entrevistados fizeram reformas em suas casas; destas, apenas 15% contrataram um arquiteto.

 

“Ou seja, a nossa profissão, cuja função é construir o espaço brasileiro, não atende 85% da população”, provocou. Em sua fala sobre os processos de reurbanização dos quais fez parte, Bete destacou o perfil empreendedor dos moradores das favelas, que em muitos casos querem montar seu negócio na própria comunidade.

 

Com esse gancho, Bete instigou o público, formado em grande parte por estudantes, a ampliar sua percepção do mercado profissional. “Empreendam socialmente: 85% da população está esperando que vocês saiam às ruas, aos bairros pobres, para dizer que arquiteto não é profissional de luxo, é profissional que veio para resolver a questão urbana lamentável, criminosa e não inclusiva que nosso país vive atualmente”, finalizou, sob fortes aplausos.

 

Homenagem

 

Pedro Rossi, presidente do IAB da Paraíba e mediador do debate, dedicou sua participação no painel à mulheres negras protagonistas na luta pelo direito à moradia em suas comunidades. Nominalmente, citou Raissa e Rossana Holanda, de João Pessoa; Tainá de Paula, do projeto BR Cidades no Rio de Janeiro; Preta Ferreira, de São Paulo; e em memória aos 576 dias do assassinato de Marielle Franco.

 

Saiba mais sobre a presença do CAU/BR no o 21o. Congresso Brasileiro de Arquitetos

 

Fonte: CBA

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