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Entidades de Arquitetura e Urbanismo discutem relações entre ensino e prática

 

A formação em Arquitetura e Urbanismo e os desafios encontrados na prática profissional foram discutidos por arquitetos e urbanistas reunidos em São Paulo, durante o Seminário Arqitetura e Urbanismo: Da Formação à Atribuição Profissional. O evento, promovido pelo Colegiado de Entidades Nacionais de Arquitetos e Urbanistas do CAU/BR (CEAU-CAU/BR), promoveu debates com convidados do Brasil e da Europa sobre os diversos campos de atuação da profissão: projeto, planejamento urbano, patrimônio e paisagismo. “Hoje o foco da Arquitetura e Urbanismo não é só o edifício, mas a cidade. Obriga-se o profissional a conhecer as diversas tipologias, escalas dos espaço públicos”, afirmou o presidente do CAU/BR, Luciano Guimarães. “Projetar exige o envolvimento dos usuários, conversas com outras profissões e a capacidade de empreender”.

 

O professor Fernando Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), destacou o imenso campo de trabalho que a profissão abrange. “Formação do arquiteto é generalista e o campo é muito amplo. A formação continuada deve prever certas áreas que a graduação não cobre. O curso nunca vai abarcar todo o conhecimento”, disse. “Mas não fracionemos como fizeram com a Engenharia. Defendemos que a Arquitetura não seja assim.” Fernando, ex-conselheiro do CAU/BR, destacou que a Resolução CAU/BR Nº 51 definiu as atribuições privativas de arquitetos e urbanistas a partir das diretrizes curriculares nacionais. “Nossas atribuições estão definidas na Lei Nº 12.378 e remetem a um pacto firmado entre arquitetos e engenheiros em 2005, na Resolução CONFEA Nº 1.010. Está superdetalhado, a única coisa que não tinha e foi incorporado na Lei 12.378 é a parte relativa às atividades relacionadas a meio ambiente”.

 

O presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), Edison Lopes, comentou sobre como as empresas têm recepcionado os recém-formados. “É impossível num período de 5 anos abarcar todas as especificidades da profissão. Trabalhamos com educação continuada, precisamos estimular que os profissionais continuem se formando, não necessariamente por meio de cursos, mas seminários, feiras, etc”. O presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA) e suplente de conselheiro do CAU/BR, João Carlos Correia, afirmou que a ABEA está preparando uma nova proposta de diretrizes curriculares está sendo preparada para ser entregue ao Ministério da Educação. “As diretrizes estão em discussão. Em cada reunião do CAU/BR que fazemos relacionada ao ensino, nós estamos criando uma carta e vamos fazer outras para consolidar os debates realizado em todo o Brasil”.

 

O arquiteto português Gonçalo Canto Muniz, da Universidade de Coimbra, e o arquiteto brasileiro João Carlos Correia, presidente da ABEA

 

PROJETO DE ARQUITETURA
O Seminário Arquitetura e Urbanismo: Da Formação à Atribuição Profissional promoveu mesas redondas específicas para tratar dos diversos campos de atuação dos arquitetos e urbanistas. No debate sobre Projeto Arquitetônico, o professor Lucio Machado, da Universidade de São Paulo, destacou que o produto final da profissão não é o projeto, mas a obra pronta. “Essencial entender que o arquiteto tem quer ser formado como diretor de obra, como diretor de empreendimento. Projeto, execução e especificações são meios para se chegar à obra”, afirmou. Segundo Lucio, a compreensão de que arquitetos fazem projeto e engenheiros fazem obra deslocou os arquitetos do centro econômico da profissão. “Hoje há uma desqualificação, como se o arquiteto fosse um mal necessário para aprovar planta em prefeitura”.

 

Em Portugal, os arquitetos enfrentam problemas semelhantes, com uma lei recente que permitiu também aos engenheiros realizarem projetos arquitetônicos, o que antes era proibido, conforme relatado pelo professor Gonçalo Canto Muniz, da Universidade de Cimbra (Portugal). “Essa é uma questão fundamental. Tem que sair pra fora da classe e ir para a sociedade, ela é que tem que exigir que sejam os arquitetos a fazer Arquitetura”, disse. Gonçalo destaca que essa alteração na lei contrasta com o momento atual da Arquitetura Portuguesa, quando arquitetos portugueses ganham imenso reconhecimento internacional, como nos casos de Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, ambos ganhadores do Prêmio Pritzker. “Arquitetura ganhou força quando o profissional foi além do aspecto artístico e destacou-se pela sua competência técnica. Hoje o desafio é o arquiteto ser um agente de transformação social”.

 

O arquiteto português destacou ainda que a formação do arquiteto deve sempre contemplar a colaboração entre profissionais, trabalhando em equipe e em conjunto com os usuários. “Arquitetura é um ato coletivo, isso é fundamental. Temos que colocar os problemas reais, ver como as pessoas reagem às nossas propostas. Esse ato coletivo tem que ser transmitido aos novos alunos”. Para Lucio Machado, outros desafio é integrar os alunos às técnicas construtivas mais modernas. “Nenhuma escola hoje dá elemento de contato entre o que é projeto e as soluções industriais mais avançadas. São muitos rudimentares nossos conhecimentos de indústria, ainda estamos nos anos 50 nessa área”, disse. “Quem não conhece construção não vai conseguir usar BIM”.

 

Presidente da ABAP, Luciana Schenk, e o presidente do IAB, Nivaldo Andrade

 

PLANEJAMENTO URBANO
“É muito pouca a atuação dos arquitetos e urbanistas no planejamento urbano, poderíamos estar atuando com mais força nessa área”, afirmou a professora Delcimar Marques Teodozio, conselheira do CAU/SP e coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Rio Preto (UNIRP). Segundo Delcimar, a chave para a formação dos arquitetos e urbanistas na área de planejamento urbano está na integração dos projetos realizados nas várias disciplinas, conforme sua experiência na UNIRP. “As experiência que estamos realizando mostram-se positivas, os alunos conseguem entender melhor o desenho urbano”, disse. “A gente tem que ter habilidade política para defender o planejamento urbano”.

 

Para a professora Maria Ermelina Malatesta, da Universidade MacKenzie, a participação dos arquitetos e urbanistas no planejamento urbano é fundamental principalmente para enfrentar os desafios da mobilidade. “Temos que pensar numa forma sustentável e racional para os espaços, os problemas que temos hoje são os frutos da opção pelo automóvel”, disse, apresentando diversos dados sobre como a mobilidade ativa pode ajudar a sustentabilidade das cidades. “A forma como escolhemos nos deslocar no dia a dia impacta na vida de todo mundo, vamos ocupar um lugar no espaço público que tem que ser usado por todos. Córregos foram taponados e transformados em avenidas”. Ela defende que a bicicleta e o deslocamento a pé devem ser mais estimulados com a implantação de ciclovias e calçadas melhores, destacando que o custo social da mobilidade é pago por todo mundo.

 

Segundo estudos apresentados pela professora, o custo social para manter infraestrutura para o deslocamento por bicicleta é oito vezes maior que o custo para o deslocamento a pé. No caso dos ônibus, esse valor é 150 vezes maior, e no caso dos carros, 920 vezes. Outro estudo mostra que, para percorrer 5km por dia, o custo mensal individual é de R$ 40 para quem anda de bicicleta, R$ 159 para quem anda de ônibus, R$ 574 para quem anda de uber e R$ 855 para quem anda de carro.

 

A arquiteta Maria Ermelina Malatesta, da Universidade MacKenzie

 

ARQUITETURA PAISAGÍSTICA
“É muito comum entender a Arquitetura Paisagística como complemento da Arquitetura, e não uma composição”, disse o professor Alessandro Filla, da Universidade federal do Paraná (UFPR), durante o debate sobre Arquitetura Paisagística. “Nas Diretrizes Curriculares Nacionais, Paisagismo aparece ao lado de Arquitetura e Urbanismo, não há uma separação. Há uma integração entre os três campos de conhecimento que fazem parte das nossas atribuições”. O arquiteto e urbanista André Graziano, sócio da Licuri Paisagismo, contou uma história do paisagista Roberto Burle Marx para ilustrar essa integração entre Arquitetura e Paisagem. “Quando Burle Marx foi contratado para fazer o entorno de um caminho que reúne varias obras do escultor Aleijadinho, em Congonhas do Campo, ele fez um projeto com grama, e o pessoal ficou indignado, foram reclamar com ele”, contou. Segundo André, a resposta de Burle Marx foi precisa. “Ele perguntou: ‘o que vocês querem que eu faça? Não vou botar nada para competir com os profetas do Aleijadinho’. Isso é entender a Paisagem”.

 

A presidente da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), Luciana Schenk, destacou que arquitetos e urbanistas trabalham sempre o espaço, seja ele vegetado ou não. “Nosso desafio está em compreender de que essa atividade inclui o jardim, mas não se restringe a ele”, disse. “Revelar e tornar visivel os itens que formam a vida é uma ação ética. Paisagem cria o elo entre humanidade e natureza”. Alessandro afirma que é preciso convencer a sociedade sobre a importância dos projetos paisagísticos para o pleno desenvolvimento dos nossos ambientes de vida e construir um quadro legal mais integrado. Porém, ele ressalta que é preciso que o tema tenha mais espaço nas grades curriculares dos cursos. Numa amostragem dos cursos do Paraná, 2,54 disciplinas por curso, ou apenas 4% da carga horária total média.

 

André Graziano, autor do projeto paisagístico do Parque do Povo, em São Paulo, acredita que é muito importante os arquitetos trabalharem em parcerias para ampliar o conhecimento de seus trabalhos. “A genialidade não está em ser único e especial, mas em entender que você vai ser parte de uma equipe muito maior. Na faculdade a gente não tem ideia do que é manutenção e conservação. Na paisagem a planta cresce, vem bicho, tem mato indesejado”, conta. Ele conta que é sócio de um engenheiro agrônomo, que o ajudou a escolher 35 espécies de plantas que fazem sombra no espaço reservado às crianças no Parque do Povo. “É uma honra trabalhar com Paisagem, mas parece que a gente não entende essa honra”, afirmou Alessandro.

 

O arquiteto paisagista André Graziano

 

PATRIMÔNIO HISTÓRICO
O debate sobre Patrimônio Histórico também com a presença de um palestrante internacional, o professor italiano Andrea Pane, da Universidade de Nápoles. Na Itália, desde 1925 todas as obras civis de restauro que tenham importância artística têm que ser feita por arquitetos. Após a 2ª Guerra Mundial, a questão do restauro adquiriu relevância ainda maior, pela necessidade de se reconstruir o país, sem perder sua herança cultural histórica. Segundo Andrea, para se fazer restauração na Itália o arquiteto precisa ter doutorado na área, uma formação que exige nove anos de estudo. “Por experiência de cinco anos frequentando o Brasil, vejo que a curiosidade para o restauro existe, mais que até em muitos países da Europa”, afirmou Andrea.

 

Andrea Pane destacou ainda algumas modalidades de restauro, como a hipermanutenção (cuidado e manutenção contínuos da obra), o repropósito (quando a obra é refeita após desastres naturais, como no caso do Museu do Rio), e o restauro crítico-conservador (quando a a restauração é feita com uma alteração reversível, esclarecendo a população sobre as finalidades da obra à luz do olhar moderno). O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Nivaldo Andrade, disse que no Brasil é preciso qualificar ainda mais os arquitetos para trabalhar nessa área. “Na Itália, além das 60 horas-aula ainda existe um laboratorio com o dobro de carga horária. Talvez seja o caso de criar uma disciplina de projeto específica para essa área. Ou se pode restringir essa atuação no Brasil a monumentos tombados”, disse. “Patrimônio é atribuição do arquiteto exclusiva, não há o que discutir. São váris profissionais envolvidos no trabalho, claro, mas cabe ao arquiteto ser o regente desse processo todo”.

 

“No trato dos bens culturais, o importante é que se tenha consciência que o trabalho exige sempre pesquisa, cuidado no executar e um contínuo aprofundamento no assunto”, disse a professora Ana Paula Farah, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Ela acredita que no Brasil há bastante campo para arquitetos e urbanistas trabalharem com patrimônio histórico. “O grande problema é entender a importância e o valor dos patrimônios das cidades pequenas, e isso é fundamental para o planejamento urbano. Não se precisa ser palácio, não precisa ser grande para ser patrimônio. Em muitas cidades com menos de 60.000 habitantes temos patrimônio para trabalhar com laboratório sim. Mas é preciso entender de teoria, senão não se consegue reconhecer esse patrimônio”, afirmou a professora.

 

O arquiteto italiano Andrea Pane, da Universidade de Nápoles (Itália)

 

FORMAÇÃO CONTINUADA
No final do evento, os participantes concluíram que um aspecto fundamental da profissão de arquiteto e urbanista é a formação continuada. Com tantos campos de atuação, é impossível que uma formação generalista de cinco anos consiga aprofundar todos os conhecimentos necessários para realizar tantas atividades. “A prática profissional exige uma gama muito grande de conhecimentos, que extrapola a condição do arquiteto e urbanista. O arquiteto e urbanista é o coordenador dos empreendimentos”, afirmou a conselheira do CAU/BR Lana Jubé, coordenadora da Comissão de Exercício Profissional do CAU/BR.

 

“Estamos num momento em que tem muitos abelhudos querendo dividir a profissão. Nossa profissão é unica, temos que reafirmar isso”, disse o presidente do CAU/BR, Luciano Guimarães. “A integração das disciplinas é fundamental. A formação tem que ser mantida única, com formação continuada, como a medicina, que se dedica a especialidades, com associações profissionais. Existem projetos de lei que enfraquecem nossa profissão, a judicialização de regulamentações com o objetivo de fragmentar a profissão. Precisamos enfrentar isso. Conto com todos vocês”, afirmou Luciano.

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