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Equipamentos, documentos, equipamentos, desgovernos

 

O Centro Pompidou vai fechar para restauro, anuncia a imprensa. O governo francês vai pô-lo à venda, com preço de liquidação? Pois parece que não. O Centro Pompidou vale seu peso em ouro. É um equipamento vivo, com museu, cinemateca, galeria de exposições, restaurante, loja, praça na frente. E claro, é atrativo turístico de primeira, para nativos e forasteiros. Tem gente que nem entra, mas usa a escada rolante para desfrutar da vista.

 

Ministério da Educação e Saúde Pública, Rio de Janeiro, 1936-1945. Arquitetos Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos Foto Nelson Kon

 

Nosso Palácio Capanema, antigo Ministério da Educação, Saúde e Cultura, também é equipamento vivo, embora vazio para restauro no momento. Tem galeria de exposições, auditório, um andar nobre com afrescos e murais integrados, bibliotecas, Escola de Patrimônio do Iphan, restaurante, loja e praça-com-pilotis que é atalho e encruzilhada. Não precisa entrar no edifício para desfrutar dos azulejos de Portinari, da escultura de Bruno Giorgi ou dos jardins de Portinari. Ah, e tudo o que ali funciona está pagando aluguel de momento.

 

O Centro Pompidou é documento também, valorizado pelo Governo Francês enquanto testemunho dos anos 1970 em que se projetou, levantou e começou a operar. Máquina metálica concebida por arquitetos ingleses e construída por engenheiros alemães, fala de um certo estado da tecnologia de construir, quando as instalações prediais importavam tanto ou mais que a estrutura resistente, e a ausência de colunas internas traduzia a aspiração a uma flexibilidade funcional ilimitada da arquitetura e podia tomar-se por contrapartida do “é proibido proibir” que as demonstrações de maio de 1968 tinham como lema.

 

Erguido entre 1936 e 1945, em parte contemporâneo de uma Segunda Guerra Mundial arrasadora, nosso Ministério tem também um quê de brinquedo de armar, mais para bloco de madeira (o proto-Lego) que para peças metálicas perfuradas (tipo Meccano). A estrutura de ponta é em concreto armado, e emprega lajes cogumelo em balanço que incorporam tubulações antecipando os pisos elevados atuais. Os pilares são espaçados o suficiente para garantir uma planta livre com divisórias. A construção leve é exemplo pioneiro de edifício alto com corpo envidraçado protegido por brise-soleil, a expressão popularizada por Le Corbusier, que tomou a ideia dos muxarabis muçulmanos e até então só a tinha esquematizado no papel. O pé-direito folgado se conjuga às janelas guilhotina para permitir ventilação cruzada eficaz por cima dos tabiques divisórios. Original sem dúvida o Ministério, na medida em que ser original é fazer melhor o que outros fizeram bem. É astuto também, porque ladrão de rouba de ladrão tem cem anos de perdão. E ainda oportuno, reivindicação de geração que, cansada de uma vida e arquitetura em tom de discurso patriótico, reclamava uma vida e arquitetura em tom de conversa civilizada. Octogenário, o Ministério documenta a esperança apesar de tudo.

 

Pode-se dizer que não haveria Centro Pompidou sem Ministério, embora a presença de Oscar Niemeyer no júri do primeiro possa ser apenas acidente. Mas a conexão não se esgota na condição de equipamento e documento. Ambos são monumentos intencionais, marcos memoráveis celebrando, entre muitas coisas, o Estado como coisa pública e comum, instituição que assegura a soberania de um território e promove suas artes e ofícios, técnicas e ciências – cooperando para a criação de um mundo humano mais longevo que a vida do indivíduo, em oposição à mutabilidade do mundo natural tanto quanto à esfera privada da intimidade familiar. Do ponto de vista simbólico, alienar Ministério ou Centro Pompidou equivale a mutilá-los na essência, e atentar contra a cidadania que os fez nascer. Patrimônio da nação, mesmo a passagem de sua titularidade para província ou cidade seria vivenciada como degradação. O governo francês sabe disso muito bem e não lhe ocorre nem torrar o Centro Pompidou, nem rebaixa-lo a órgão departamental.

 

O Macron pode ser de direita, mas para mentecapto não serve.

 


 

Sobre o autor

Carlos Eduardo Comas é arquiteto e professor emérito da UFRGS.

 


Fonte: Vitruvius

 

 

Veja mais: Plantão Palácio Capanema: siga as últimas notícias sobre o risco de venda do edifício

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