Ensino e Formação

Especialistas opinam sobre perfil do arquiteto do futuro no Seminário de Formação 

Três salas simultâneas receberam convidados ligados ao universo da arquitetura e das cidades na tarde do dia 27 de setembro, durante o Seminário Nacional de Formação, Atribuições e Atuação Profissional do CAU. O evento, promovido pela Comissão de Ensino e Formação do CAU Brasil até o dia 29 de setembro na sede do CAU/SP, acolheu pontos de vista de especialistas diversos sobre a questão provocadora: O que se espera da formação de arquitetos e arquitetas e urbanistas no atual contexto brasileiro e mundial? 

 

As reflexões dos pesquisadores, professores, gestores e outros participantes são sistematizadas por relatores e apresentadas ao fim do dia em mini-plenárias, com transmissão ao vivo pelo canal do CAU Brasil no Youtube. Na quarta, 28, outras três mesas redondas contaram com a participação de convidados para ampliar a discussão do tema. 

 

SAIBA COMO FOI O DEBATE DA MESA 1

 

A primeira mesa foi coordenada pela Conselheira suplente Grete Pflueger e contou com relatoria da conselheira federal do Acre, Josélia Alves. Convidados experientes em gestão e ensino da arquitetura e urbanismo ofereceram contribuições para o debate. 

 

A atividade coordenada pela conselheira suplente Naia Alban contou com relatoria da conselheira Karinne Santiago e teve a participação do ex-prefeito da cidade paulista de Piracicaba; da professora Ana Lúcia Duarte Lanna; e a socioeconomista Junia Santa Rosa; e da professora e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Periférico da UNB, Liza Andrade.

 

José Machado

 

Economista de formação, José Machado foi prefeito de Piracicaba por duas gestões. Em 2003, sua gestão criou o Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP) com a função de subsidiar estratégias para enfrentar o crescimento desordenado do município. Segundo o economista, os desafios da profissão passam a compreender como é possível projetar sob o contexto de crise social e ambiental. “Acho uma profissão instigante, mas somos um país capitalista, desigual, de contrastes e com grande concentração de renda. As periferias das nossas cidades concentram a população pobre sem acesso a benefícios. Esse é o quadro que eu vejo os arquitetos atuando como cidadãos e profissionais”, afirmou. “Esperamos um cidadão arquiteto, com sensibilidade social, que entenda o país em que vive e utilize seu conhecimento em benefício da maioria da população”, afirmou.

 

Ana Lúcia Duarte Lanna

 

Ex-diretora da FAU-USP, Ana Lúcia Duarte Lanna apontou caminhos para a profissão a partir da sua experiência como docente e gestora de formação. A professora desenhou o vasto cenário de atuação dos arquitetos considerando a necessidade de entendimento do espaço, as demandas e realidades das cidades, e aspectos como as novas tecnologias e o perfil dos clientes. Mas sobretudo, chamou a atenção sobre o impacto da mudança no perfil dos estudantes de arquitetura e urbanismo. “Os alunos de arquitetura eram filhos da alta elite paulistana e brasileira e hoje 50% vem de escolas públicas, 40% de famílias que ganham até 3 salários mínimos, com vagas preenchidas por cotistas pretos e pardos”, afirmou. Segundo a professora, a assimilação de novas experiências sociais pela universidade representa desafios e potências. “Se não formos capazes de atender a estes desafios, estaremos silenciando gerações de alunos que lutaram para entrar na universidade e que apresentam novos problemas, mas também novas questões, menos preconceitos e pré-julgamentos”, afirmou. “Democratizar não é só inserir cotista, é transformar a universidade a partir dessas presenças”, disse.

 

Junia Santa Rosa

 

Junia Santa Rosa é analista sênior de socioeconomia da organização Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens, em Minas Gerais. Atua em projetos de assistência técnica a municípios relacionados a governança institucional, ambiental e territorial, entre outros assuntos. Segundo ela, a arquitetura e as universidades precisam enfrentar a baixa capacidade de resposta para a realidade de desigualdades e das diversas crises de mobilidade, saneamento, políticas intersetoriais e, mais especificamente no seu estado, do modelo de mineração. Para isso, acredita, o ensino precisa assimilar a dimensão política.  “É obrigatório abrir espaço nos currículos para temas como a diversidade, enfrentamento das desigualdades e garantia de direitos”, disse a economista. Além de qualificar a formação, segundo Junia, é necessário aumentar a representatividade do conjunto de profissionais que atuam nas cidades nos espaços de formulação e execução das políticas públicas. “Somos muito poucos no legislativo e executivo. Existem carreiras estratégicas que deveriam ser ocupadas por arquitetos urbanistas, geógrafos e outros profissionais da temática humana”, pontuou.

 

A professora Liza Andrade

 

A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Liza Andrade coordena, na UNB, o Grupo de Pesquisa e Extensão Periférico, que desenvolve pesquisas e assessoria técnica em territórios da periferia do Distrito Federal. Também integra o projeto BrCidades, iniciativa que procura fortalecer uma agenda urbana que considere os múltiplos movimentos e atores sociais e que conta com a participação de 24 universidades. Para Liza, o currículo que forma os profissionais da arquitetura precisa superar a defasagem das demandas de territórios camponeses, indígenas e quilombolas e assimilar seus saberes e estéticas construtivas. “A arquitetura vernacular é tão importante quanto a modernista”, afirmou, defendendo a importância de considerar a tecnologia social e as experiências de construção de quem vive nestes territórios. “São eles que conhecem a cartografia do lugar, tem suas experiências de autoconstrução”, disse. A professora também destacou o papel central dos arquitetos para a resiliência das cidades. “A gente precisa de uma formação mais transdisciplinar, passar da infraestrutura cinza para a verde, buscar soluções baseadas na natureza”, disse a professora.

 

SAIBA COMO FOI O DEBATE DA MESA 2

 

Sob coordenação da conselheira federal pelo estado do Acre, Daniela Kipper e com relatoria do conselheiro do Sergipe, Ricardo Mascarello, a segunda mesa de debate contou com a presença de Evelise Grunow, editora executiva da Revista Projeto Design, Luíza Andrada, diretora executiva do IVM Instituto Cidade em Movimento; do arquiteto e urbanista Marcio Uehara; Rechilene Maia Braga, da Universidade Anhembi Morumbi e proprietária Arquitetura e Engenharia e Henrique Braga Fernandes Pacheco, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Negócios Internacionais (NUPIN ) da PUC-Rio.

 

Evelise Grunow

 

Evelise Grunow, editora executiva da Revista Projeto Design, ressaltou a relevância do encontro e citou a diversidade de depoimentos para pensar a formação dos arquitetos e urbanista. “Quando recebi esse convite, recordei do último dia da faculdade, a passagem entre ser estudante e ser profissional. O peso de ser uma profissional e de não poder mais errar. Nas faculdades de arquitetura e urbanismo deveriam ressaltar o processo de construção de um projeto. Não é só resultado, mas sim o processo e isso deveria ser discutido coletivamente”, afirmou. Evelise ainda citou a importância de pensar na sustentabilidade com o tripé com as mudanças climáticas, a sociedade e a econômica.

 

Para a diretora executiva do IVM Instituto Cidade em Movimento, Luíza Andrada, “cuidar de formação e de ensino é uma responsabilidade coletiva. Não podemos desviar a atenção ambiental e ecológica que estamos enfrentando. Para o arquiteto é também saber criar uma responsabilidade social e moral e criar espaços para dignificar as pessoas”.

 

Marcio Uehara

Marcio Uehara, arquiteto formado pela FAUUSP que atua em Paris há 30 anos, comentou que a percepção das relações humanas é a chave principal na arquitetura e no urbanismo. Para ele, é importante que os jovens profissionais possam ter autonomia para desenvolver suas ideias e projetos em escritórios de arquitetura. “O jovem profissional precisa partir para a vida real. Muitas vezes a faculdade não ensina”.

 

Segundo Rechilene Maia Braga, da Universidade Anhembi Morumbi, “é preciso olhar para a prática de forma diferente. Além disso, outro ponto importante quando falamos em formação e ensino em arquitetura é o currículo integrado com prática e extensão teremos um aluno mais competente no mercado”.

 

Henrique Braga Fernandes Pacheco

 

O pesquisador da NUPIN (Núcleo de Pesquisas em Negócios Internacionais da PUC-Rio), Henrique Braga Fernandes Pacheco, destacou que a arquitetura pode ser dividida na prática entre conhecimento técnico e a gestão de redes no mercado internacional com as relações humanas. “A arquitetura contribui para uma sociedade e é importante entender isso. É importante ter o balanço entre técnica e prática. Tem muita coisa que o arquiteto vai aprender na faculdade e outras apenas vivendo e saber isso é ter conhecimento. Aprendizado é ter diversas ferramentas que você pode colocar em prática. Ensinar o aluno como colocar, como aplicar é muito importante”, destacou. 

 

SAIBA COMO FOI O DEBATE DA MESA 3

 

Os palestrantes convidados para a terceira mesa, o arquiteto Zulu Araújo, Diretor Geral da Fundação Pedro Calmon (Secretaria de Cultura da Bahia), e o engenheiro Jorge Abrahão, Coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, fizeram uma reflexão sobre o que consideram necessário para a formação dos futuros profissionais.

 

Araújo, formado pela UFBA em 1984, criticou o ensino de Arquitetura da época, considerando que a instituição formava arquitetos apenas para uma parcela da sociedade, ‘e apenas uma parcela pequena da sociedade brasileira’, ressaltou. Outro ponto de crítica foi a visão que os arquitetos tinham de si mesmos, considerando-se como profissionais cuja criatividade poderia resolver ‘qualquer desafio’. “Cada um de nós imaginava que a nossa genialidade, a nossa criatividade, era capaz de resolver qualquer problema no campo habitacional (…) no campo urbanístico”, lembrou.

 

Para Araújo, a tecnologia “virou o mundo de ponta de cabeça”, e esse tipo de profissional já não tem mais lugar. “E eu acho que esse arquiteto, do qual eu sou originário, acabou. E o ensino da Arquitetura ainda não percebeu isso. As Escolas de Arquitetura ainda não perceberam que esse arquiteto não existe mais. Esse mercado de trabalho não existe mais”. “O profissional de hoje precisa estar aberto, necessariamente, ao diálogo com outros profissionais”, avaliou. E neste diálogo, acrescenta, outras questões importantes servem de direção. “Eu acho que os arquitetos e arquitetas [também] precisam ser sensíveis às demandas sociais, às desigualdades sociais, às desigualdades econômicas e, no caso do Brasil, às desigualdades raciais”.

 

Para Jorge Abrahão, um dos maiores riscos enfrentados pelo profissional de hoje, em diferentes campos, é estar dissociado das ‘grandes questões de nosso tempo’, considerando que um ‘novo mundo surgiu’ nas últimas décadas. Por um lado, estas mudanças trouxeram um ‘crescimento estrondoso’ em alguns campos, como a comunicação, mas também acarretaram uma série de crises, num quadro de ainda muita violência e carestia. Grandes cidades como São Paulo ainda apresentam amplas disparidades de expectativa de vida, causadas por moradia precárias e altos índices de criminalidade. E entre os grandes desafios mundiais está a questão das mudanças climáticas. O engenheiro chamou a atenção para as ondas de calor no Canadá e na Europa – com temperaturas acima dos 49 graus- como “uma pista do que vem pela frente”. “Quando a gente se pergunta como será a cidade a 50 graus Celsius (…) os arquitetos têm um papel fundamental. (…) Evidentemente, que isso demanda uma série de esforços, mas a adaptação das cidades é um dos pontos que a gente pode efetivamente avançar”, avalia. “Pensar, portanto, na cobertura vegetal das cidades, na questão de que telhado nós usamos, na questão de que asfalto nós usamos, na questão do acesso às águas, na questão dos abrigos que nós temos de construir, na questão das cores da cidade, são questões, fundamentalmente, da Arquitetura”.

 

VEJA TAMBÉM COMO FORAM OS DEBATES DAS MESAS DE CONVIDADOS DO DIA 27 

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