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Estadão: “Mais arquitetos na Saúde das moradias”, artigo de Nadia Somekh

 

A pandemia mostrou que as grandes desigualdades nas cidades brasileiras e a precariedade de moradias e espaços públicos constituem uma questão de saúde pública.

 

Uma casa com ventilação e iluminação naturais colabora para o bem-estar de seus moradores, pois evita umidade interna e consequentemente mofos nas paredes, causadores de doenças respiratórias. Moradias com falta de banheiro constituem fator de risco para o desenvolvimento infantil.

 

Nós, arquitetos e arquitetas, temos por ofício melhorar a qualidade de vida da população e a saúde é prioridade. No entanto, Pesquisa DataFolha revelou que 85% das edificações no Brasil foram construídas sem arquitetos ou engenheiros. A Fundação João Pinheiro explicita isso em números: além de um déficit habitacional de cerca de 6 milhões de moradias, o Brasil tem 25 milhões de domicílios com algum tipo de inadequação, sendo 11 milhões com carências edilícias, como ausência de banheiro exclusivo, cômodos improvisados em dormitórios e falhas de cobertura e pisos.

 

Assim, o problema habitacional do país não se resume à necessidade de novas moradias: inclui ainda tornar saudáveis os domicílios das famílias de baixa renda já existentes. Os 220 mil arquitetos e arquitetas do país dariam conta do atendimento a esta população, mas só um percentual pequeno conseguiu viabilizar uma atuação profissional nesse campo. Por outro lado, só uma parte das pessoas necessitadas conhece os benefícios de nosso trabalho e tem condições de financiar a realização de uma obra regular.

 

A assistência técnica em habitação de interesse social, promovida pelo poder público, é o instrumento para disponibilizar os serviços dos arquitetos para a população de baixa renda, de forma gratuita, uma vez que o poder público remuneraria a elaboração de projetos de reformas e construções. A lógica é semelhante ao SUS na área da saúde ou à Defensoria Pública para quem precisa de um advogado.

 

Já existe lei garantindo este direito graças à luta história de arquitetos e urbanistas pela melhoria das condições de vida do brasileiro, tendo como marcos importantes a defesa de uma política habitacional e da reforma urbana nos anos 1960, o protagonismo na definição da função social da cidade na Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2001.

 

Em 2006, a Câmara dos Deputados aprovou projeto do arquiteto e urbanista Zezéu Ribeiro, deputado federal pela Bahia, visando assegurar às famílias de baixa renda a assistência técnica gratuita para o projeto e a construção de moradia de interesse social (ATHIS), com apoio financeiro da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.  A lei foi sancionada em 2008, mas até o momento apenas cerca de 20 Prefeituras a colocaram em prática.

 

Com a criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, em 2010, a ideia de implementação da ATHIS foi tomada como uma missão e, a partir de 2016, no mínimo 2% de sua receita líquida é destinada a patrocinar iniciativas na área. Nas eleições de 2018 e 2020, o CAU encabeçou manifestações sugerindo medidas assertivas para implementação da ATHIS no país.

 

Agora, com a pandemia, o CAU Brasil lança campanha e ações institucionais objetivando dar uma escala nacional à implementação da ATHIS como Política de Estado.  Queremos unir gestores públicos, ONGs, cooperativas, empresas e bancos em uma cruzada de “Saúde na Habitação” para garantir moradia digna a todos os brasileiros.

 

(*) Nadia Somekh, arquiteta e urbanista, é presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil e professora Emérita da Universidade  Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

PS: a iniciativa será apresentada nesta quinta-feira, dia 13 (10 horas no Brasil), no seminário internacional “Colaboração Global para a Solução do Desafio do Clima e da Saúde pelo Projeto”, do Grupo de Saúde Pública da União Internacional de Arquitetos (UIA), como parte do calendário do 27o. Congresso Mundial de Arquitetos (UIA2021RIO) marcado para julho. O evento é aberto para o público em geral. Inscrições: http://bit.ly/3exwcHr

 

(**) Fonte: O Estado de S.Paulo, Editoria de Política, Blog Fausto Macedo, 13/05/21

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3 respostas

  1. Já estamos vivendo num novo formato! O dia a dia tem nos provado que a adaptação cotidiana e urgente, resignificada pelo novo conceito de prevenção, inclui muito mais do que os olhos vêem.
    O planeta está implorando por limpeza e minimalismo, nos seus mais amplos significados.
    A Arquitetura e a arte não são coadjuvantes e sim também atrizes principais nesse filme real!
    De agora em diante todos os projetos deverão ter novos focos.
    Materiais e revestimentos de fácil limpeza, iluminação e ventilação conscientes, acessibilidade e autonomia nos ambientes internos e externos, funcionalidade e também a nossa tão desejada humanização.
    É a hora que a Arquitetura dá o seu toque final! E hoje, nada melhor do que uma decoração consciente, minimalista e saudável aos olhos, mente e vida!
    A arquitetura é a concretização de sonhos, por menores que sejam…

  2. Estou de pleno acordo, pois é a partir da boa habitabilidade, que teremos mais saúde, higiene, acessibilidade, aumento da autoestima e condições dignas para muitas famílias de baixa renda. Além de ser um fator de transformação e inclusão social, que por fim poderia até ajudar na redução da criminalidade. Por tanto, o poder público teria obrigação de oferecer projetos de adaptação ou seja, de reformas, a toda essa população tão necessitada.

  3. Excelente visão! Apoio totalmente iniciativas desse tipo! Aproveito para acrescentar a importância da Acessibilidade Arquitetônica nas residências, como fator de inclusão social. Muitos cidadãos carecem de adaptações em suas moradias após um acidente ou doença, por exemplo. Além disso, espaços acessíveis contribuem para o bem-estar das pessoas com deficiências ou com mobilidade reduzida e, de igual modo, de seus familiares. Sendo assim, o poder público poderia oferecer à população projetos de adaptação (reformas) aos interessados.

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