ASSESSORIA PARLAMENTAR

Na Câmara, pesquisadores culpam “cultura do carro” por problemas de mobilidade

Pesquisadores e parlamentares debateram hoje (04/10), na Câmara dos Deputados, caminhos para resolver os problemas de mobilidade nas cidades brasileiras. O crescimento no número de carros, a precariedade dos transportes públicos e os prejuízos aos pedestres foram algumas das questões na pauta. O tema foi discutido na quarta edição do Fórum Interativo de Desenvolvimento Urbano, iniciativa da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara dos Deputados em parceria com o CAU/BR.

 

Quarta edição do Fórum Interativo discutiu a mobilidade urbana no Brasil (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)
Quarta edição do Fórum Interativo discutiu a mobilidade urbana no Brasil (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)

 

Na opinião do arquiteto e urbanista Nazareno Stanislau, diretor nacional do Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), qualquer solução para a mobilidade urbana no país passa pela renúncia ao carro como principal meio de transporte. “O Brasil fez uma opção pelo automóvel. E o que vejo hoje é um pensamento no sentido de como vamos salvar os automóveis para as pessoas continuarem usando. É impossível”, argumentou.

 

Guilherme Fonseca Cardoso, que participou da audiência pela internet, chamou a atenção dos deputados para a importância da valorização do pedestre, que na visão dele fica em segundo plano na lógica da mobilidade. “A mobilidade a pé é um dos modais mais utilizados nas viagens diárias. Por que a legislação não é clara sobre a competência, padronização e conservação das calçadas? Municípios transferem ao particular a conservação e não fiscalizam. Além disso, não há um modelo padrão de calçada”, afirmou.

 

O engenheiro civil Pastor Willy Gonzáles, coordenador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru) da Universidade de Brasília (UnB), demonstrou otimismo em relação à contribuição da tecnologia portátil na questão da mobilidade. Ele relatou o caso do aplicativo Carona Phone, desenvolvido por estudantes da UnB para possibilitar o compartilhamento solidário de transporte entre os colegas do câmpus.

 

Na opinião de Pastor Willy Gonzáles, a tecnologia dos smartphones pode ser uma grande alidada da mobilidade urbana (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)
Na opinião de Pastor Willy Gonzáles, a tecnologia dos smartphones pode ser uma grande alidada da mobilidade urbana (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)

 

Para o pesquisador, os aplicativos de mercado, como Uber, Cabify e 99, também representam avanços em relação ao modo de se pensar a mobilidade nas cidades. Na opinião dele, a regulamentação desses aplicativos é uma oportunidade para se criar também uma modalidade pública desse tipo de transporte. “Por que não incluir o transporte público no projeto que regulamenta aplicativos como o Uber? É um modelo que poderia ser pensado”.

 

Mais pessimista em relação aos aplicativos de transporte privado, Nazareno Stanislau acredita que eles não representam uma solução a longo prazo para o problema da mobilidade urbana. “Não há espaço para tanto automóvel, compartilhado ou não. O compartilhado é um alento, mas não é solução. E aí também entra o aspecto de mercado: quando há muita demanda, o preço desses transportes fica altíssimo. É como passagem de avião. Não é algo fixo”.

 

O presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara, deputado Givaldo Vieira (PT-ES), defendeu a democratização da mobilidade urbana. “Nossas avenidas estão tomadas pelos automóveis, os carros de passeio, incorporados à nossa cultura. O povo brasileiro foi educado assim, tendo o carro como um bem de valor, capaz de dar a ele um status. Mas nossas cidades estão inviabilizadas por essa política do carro”, argumentou.

 

Deputado Givaldo Vieira (PT-ES) defendeu que é preciso democratizar de fato mobilidade urbana (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)

 

Para Nazareno Stanislau, a cultura do carro somada à falta de repressão são também culpadas pelo grande número de acidentes e mortes nas vias urbanas. “A violência no trânsito não é questão de educação, e sim de presença do Estado. Quando fui secretário em Brasília, os excessos de velocidade no Eixo Rodoviário [uma das principais vias da capital] caíram de 96% para menos de 1% depois que os pardais começaram a multar efetivamente os motoristas”, afirma.

 

Pastor Willy Gonzáles vislumbra um caminho oposto para resolver a questão. “As multas, na minha opinião, não adiantam. A vigilância incentiva a pessoa a frear perto do pardal e acelerar até o próximo. As medidas que funcionam são soft, de educação, de comportamento. Aquelas que vamos ver resultado em 10, 15 anos”, defende.

 

De acordo o professor, é preciso que as políticas públicas de mobilidade levem em conta todo o percurso que o indivíduo faz e seu contexto. Ele cita que os acessos a paradas de ônibus, por exemplo, não são pensados levando em conta a violência, especialmente contra a mulher. “Os pontos de parada são pensados para o ‘Rambo’: um jovem homem e forte. Uma pesquisa recente mostrou que, em curto espaço, 16% das mulheres deixaram de usar o transporte público por causa da violência”.

 

Pastor Willy Gonzáles defende ainda que o Brasil passe a criar suas próprias políticas em vez de tentar transplantar soluções prontas de países mais desenvolvidos. “Já estamos em condições de criar nossos próprios modelos. A Holanda tem um sistema de transportes ótimo, mas quanto tempo levou até chegar a ele? Não temos esse tempo”.

 

Para Nazareno Stanislau, os congestionamentos nas cidades vão ser cada vez maiores, e as obras de ampliação de vias nunca conseguirão alcançar o mesmo ritmo do aumento do número de carros. Na visão dele, “pode ser que o congestionamento em todos os lugares não seja um problema, mas uma solução. Porque aí teremos obrigatoriamente que partir para as alternativas aos automóveis”.

 

Na opinião de Nazareno Stanilsau, mobilidade urbana requer "renúncia ao carro" (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)
Para Nazareno Stanilsau, mobilidade urbana requer “renúncia ao carro” (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)

 

Na opinião do pesquisador, é preciso dar prioridade absoluta aos transportes públicos em detrimento dos carros. “Temos hoje o uso de 80% do espaço das vias por automóveis, que transportam 30% da população. Temos apenas 0,12% do total de vias de cidades com mais de 60 mil habitantes com prioridade para transporte público”, critica o pesquisador. Para ele, a solução é a criação de um programa integrado de mobilidade em todo o país, nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS), que une iniciativa privada e os governos federal, estaduais e municipais. “Queremos propor à Comissão de Desenvolvimento Urbano a discussão do nosso SUM – Sistema Único de Mobilidade”, defendeu.

 

Clique aqui para assistir à íntegra da audiência pública no e-Democracia, da Câmara dos Deputados.

4 respostas

  1. Concordo com Jair. Como atrair o usuário do automóvel se são péssimas as condições do transporte coletivo? Quanto de vocês utilizam ou já utilizaram? Saem as ruas … vão trabalhar usando os mesmos meios que 80% dos trabalhadores utilizam. Vistem a camisa, o paletó e a gravata e subam no ônibus super lotado. Vejam se conseguem chegar no destino final ainda perfumados.
    Enquanto não obrigarem as concessionárias a colocarem nas ruas ônibus de qualidade, enquanto não houver planejamento mapeamento para criarem linhas que atendam aos moradores seja de transporte coletivo, metrô ou VLT, o discurso de vocês parece uma novela importada. Quantos projetos e pesquisas de urbanistas e engenheiros brasileiros foram desenvolvidos, premiados e doados aos governantes e prefeitos e engavetados?
    O Pastor Willy Gonzáles está certíssimo. Temos conteúdo, o que falta é aplicá-las.

  2. É importante observar a participação da indústria automotiva no PIB e as reduções de alíquotas de IPI para incentivar a aquisição de veículos.
    Não se faz coisa alguma pela qualidade das vias/calçadas, transporte público e segurança. O noticiário mostra que agentes públicos, em troca de propina, fazem vista grossa para as irregularidades cometidas pelas empresas de ônibus.
    Obras de mobilidade (BRT/Metrô) estão envolvidas em escândalos variados.
    Diante deste quadro calamitoso considero um equívoco culpar a “cultura do carro” pela situação, lembrando ainda que a posse de um veículo significa uma despesa elevada ao somar financiamento, seguro, imposto, combustível, manutenção e estacionamento, sendo para muitas pessoas um sacrifício inevitável.
    Eventos como este terão alguma utilidade quando os participantes se debruçarem sobre as causas reais do problema.

  3. Só um minuto. Como assim a cultura do carro é culpada? Negativo, senhores. O carro é um meio facilitador para evitarmos o sistema de transporte público ineficiente, sucateado, subdimensionado e inseguro. Ninguém aqui quer passar calor, viver em ônibus ou metrô lotado, ser assaltado nas paradas ou dentro dos coletivos. Ficar horas e horas dentro de um transporte que é completamente ineficiente, em todos os sentidos. Qual o recurso? Comprar carros que nos trazem conforto, segurança, celeridade. Não venham fazer uma análise invertida da coisa. Temos malhas urbanas mal projetadas, Sistemas sucateados, projetos de metrô que nunca saíram do papel, linhas que se arrastam. Não culpem o carro pela incompetência dos entes públicos.

    1. A culpa é do carro sim, Jair, mas concordo com você quanto à opção forçada que grande parte da população faz. A indústria automotiva financia o sucateamento do transporte coletivo assim como a farmacêutica financia produtos insalubres e a bélica financia a violência urbana. Mais uma vez, é o efeito nojento da corrupção em nossas vidas, porque o mínimo bom senso encontra no transporte coletivo a saída mais eficiente para as cidades.

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