ARTIGOS

“Para o Rio voltar a ser a Cidade Maravilhosa”, por Luiz Fernando Janot

O Rio romântico dos morros e dos subúrbios, do samba e das batucadas, dos malandros e das mulatas, enaltecido por Silas de Oliveira no samba enredo do Império Serrano em 1964, já não existe há muito tempo. Com o passar dos anos, inúmeras circunstâncias modificaram essa imagem poética do passado.

 

Até Copacabana, a famosa Princesinha do Mar, deixou de ser o que foi um dia. O tempo dos jovens casais de classe média que para lá se mudaram durante a década de 1940, para desfrutarem dos privilégios de viver em um bairro bucólico contemplado por uma praia maravilhosa, passou sem deixar vestígio.

 

Daquele passado distante, me recordo de ir à praia com minha mãe e assistir os pescadores retirando do mar as suas redes repletas de peixes – um ritual então conhecido como “arrastão”. Lembro-me, também, dos inúmeros castelos de areia que construí, inclusive na imaginação. Aquele foi para mim um tempo valioso que o próprio tempo não me fez esquecer.  

 

A vida alegre e esfuziante de Copacabana não se encerrava com a luz do dia. À noite, a rapaziada se reunia nas calçadas para jogar conversa fora e planejar os programas do final de semana. A convivência nos espaços públicos tornava alegre a vida no bairro a qualquer hora do dia e da noite. Havia mais proximidade e solidariedade entre os moradores daquela época.

 

Foi lá que participei das famosas “turmas de rua” inspiradas na postura rebelde transmitida pelos filmes de James Dean e Marlon Brando. O rock de Elvis Presley também exerceu grande influência na mudança de comportamento daquela juventude. Era comum entre os que possuíam lambreta ou motoneta adaptada para corrida, exibir pelas ruas as suas “máquinas envenenadas” ao som ensurdecedor dos motores.

 

Foi o tempo, também, dos famosos “bailes de formatura”. Era comum irmos a essas festas de “lotação” – uma espécie de micro ônibus da época. Saltávamos na Cinelândia e de lá seguíamos a pé até os clubes pelas ruas desertas do Centro. Entre nós não havia medo já que os assaltantes daquela época ainda não usavam arma de fogo. O máximo de que dispunham era um canivete que não amedrontava aqueles que estavam habituados a praticar alguma espécie de luta marcial.

 

Com o surgimento da Bossa Nova e do Cinema Novo, na virada para os anos 60, novas formas de diversão despontaram em Copacabana. Reunir em casa de amigos para escutar as novas composições musicais e frequentar os Cinemas de Arte para ver os filmes da Nouvelle Vague passou a ser um hábito rotineiro. À medida que essa tendência cultural se consolidava, novas amizades eram feitas e a confraternização se ampliava. Os bares contribuíram bastante para ampliar essa alegre convivência.

 

Se o Rio daquela época amanhecia e adormecia sorrindo, hoje, somos obrigados a trincar os dentes e a conviver com a insegurança, com o medo e com a violência disseminada pela cidade. A população se tornou refém de uma bandidagem que não faz cerimônia em atirar para matar. Em meio aos criminosos comuns e marginais disfarçados de policiais e milicianos, encontramos os bandidos de colarinhos brancos empenhados em desfalcar os cofres públicos com absoluto cinismo e desfaçatez.

 

A impunidade que paira sobre os altos escalões do poder – protegidos por chicanas políticas e jurídicas – estimula o comportamento predatório de outros segmentos da população. Refiro-me, principalmente, aos atuais arrastões que acontecem nas praias e em importantes vias da cidade; aos roubos frequentes de telefone celular; aos sequestros de caminhões transportadores; aos saques praticados por pessoas coniventes com esse tipo de assalto; às explosões recorrentes de caixas eletrônicos; às invasões de lojas, bares e restaurantes, vitimando, inclusive, os seus frequentadores. 

 

Como se não bastassem esses exemplos, estamos assistindo a impunidade prosperar através da ocupação descontrolada dos espaços públicos, da invasão e depredação de estações do BRT, do furto das grades de proteção da ciclovia do Joá, da destruição dos equipamentos de iluminação do Arco Metropolitano, além das cenas recentes de vandalismo ocorridas no Maracanã. São atitudes que confirmam o estado de total permissividade e abandono que se encontra a cidade.

 

Não dá pra continuar assistindo essa decadência do Rio de braços cruzados. Há que se promover – antes que seja tarde demais – uma ampla campanha de tolerância zero contra essas e outras transgressões da ordem pública. Falar é fácil, fazer é que são elas. Portanto, é imprescindível motivar a população para que se conscientize da necessidade de apoiar essa luta e exigir das diversas instâncias do poder público que tomem atitudes efetivas para enfrentar essa complexa realidade. Diversas cidades no exterior já demonstraram que isso é possível. O que não podemos é perder a esperança de ver o Rio voltar a ser a Cidade Maravilhosa admirada por todos nós.

 

Arquiteto e urbanista, Luiz Fernando Janot foi conselheiro federal do CAU/BR pelo RJ na gestão 2015/2017

 

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Uma resposta

  1. Parabéns, caro Janot!
    Uma análise crua da situação de nossa cidade, que mesmo assim é mais amena que a realidade.
    Vivemos um período de decrepitude generalizada das instâncias dos Poderes em nosso País, em todos os níveis.
    Concordo plenamente quando diz da necessidade conscientizar e mobilizar a população a exercer a sua cidadania como transformadora dessa realidade. As mudanças terão que partir de nós, pois aqueles outros só ouvem o eco de suas próprias vozes.
    Parabéns, mais uma vez, Professor!

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