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“Por um legado inclusivo” – Artigo de Luiz Fernando Janot

Preocupado com o fracasso empresarial do Porto Maravilha, sugeri, em meu último artigo, a revisão do projeto em vigor, de modo a possibilitar a inclusão de novos vetores de desenvolvimento para aquela localidade. Neste artigo, decidi focar em outros dois importantes legados da Olimpíada: o BRT e os parques olímpicos.     

   

É inegável a contribuição do BRT para melhorar a mobilidade urbana no Rio. Todavia, ainda nos deparamos com estações fechadas e depredadas, com um número insuficiente de ônibus nos horários de pico, com a má conservação das pistas de rolamento, e com aquelas obras intermináveis na Avenida Brasil.

 

Diante desse quadro desolador, não podemos ficar de braços cruzados assistindo o jogo de empurra entre a Prefeitura e o consórcio que administra o sistema para saber onde começa e termina a responsabilidade de cada um. Chegou a hora de acionar o Ministério Público para intervir nesse conflito. A população merece mais respeito.

 

Quanto aos parques olímpicos – Barra e Deodoro -, cabe uma reflexão sobre o futuro desses espaços. Quando se optou pela “arquitetura nômade” no projeto de algumas arenas esportivas, tinha-se como objetivo a desmontagem e a remontagem dessas construções em outras localidades para fins diversos.

 

“É a economia, seu estúpido”, clamavam, na época, os nossos gestores deslumbrados com essa expressão do marqueteiro de Bill Clinton, James Carville. Mas, ao que parece, o custo-benefício dessa operação não foi avaliado corretamente, e hoje essas arenas permanecem subutilizadas em seus locais de origem.

 

Imagino que esses parques poderiam ser mais bem aproveitados se tivessem atividades permanentes de interesse social. Seus amplos espaços abertos poderiam ser transformados em áreas de lazer diversificadas, enquanto que as arenas esportivas seriam disponibilizadas para cursos de formação de atletas olímpicos e para a prática de eventos esportivos, culturais e educativos, especialmente para moradores de comunidades. 

 

Estimular a aproximação e a convivência entre jovens de diferentes extratos sociais ajudaria a elevar a autoestima dos mais pobres e arrefecer preconceitos observados no dia a dia. O custo para a adequação desses parques às novas funções seria insignificante se comparado às despesas anuais com criminalidade no Brasil – cerca de 4% do PIB. 

 

A reconquista dos valores humanos seria uma das metas a serem alcançadas gradativamente. Concordo integralmente com meu colega Sergio Magalhães quando diz que “não se dá um cavalo de pau na indiferença para ela se tornar solidariedade. Contudo, dá para mudar o rumo ainda que na velocidade do possível”. 

 

Em um país com contrastes tão aviltantes, onde mais de 23 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, isto é, com renda mensal inferior a R$ 233 (IBGE 12/2017), é preciso contestar propostas imediatistas e sem consistência que tendem a perpetuar os conflitos existentes.

 

O modelo atual de combate à violência está levando o país a uma espécie de guerra civil que afeta indiscriminadamente o conjunto da população. Para interromper esse círculo vicioso, será preciso consolidar um sistema estratégico de planejamento e ações sociais paralelas de curto, médio e longo prazo. O futuro das cidades brasileiras não pode continuar sendo determinado apenas pelo viés econômico ou pelo medo da violência urbana.

 

Os contrastes decorrentes da concentração de riqueza e da exacerbação da pobreza precisam ser enfrentados com a convicção de que a ordem social dependerá, cada vez mais, da aproximação entre classes sociais distintas. Sociedades complacentes com desigualdades terão que suportar o ônus permanente da violência em seus territórios.

 

Nessas eleições, não podemos nos deixar levar por discursos ideológicos superados ou por propostas antiquadas com falsa aparência de novo. Precisamos interferir nesse processo com a convicção de que as nossas escolhas serão determinantes para construir um legado digno para as próximas gerações.  

 

Luiz Fernando Janot – Arquiteto e Urbanista e ex conselheiro federal do CAU/BR pelo RJ

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