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Priscila Gama: emancipação feminina por meio da mobilidade urbana

Um relato de violência sexual durante um translado fez com que a arquiteta e urbanista Priscila Gama, de Minas Gerais, interrompesse a prática tradicional de Arquitetura e Urbanismo para pensar, mais efetivamente, a relação entre mulheres e cidade. Assim surgiu o Malalai, aplicativo que busca tornar as cidades e as diversas formas de deslocamento mais seguras para mulheres. O sistema, lançado em 2015, apresenta as rotas mais seguras, permite que as usuárias compartilhem o trajeto com alguém de sua lista de contatos e gera um mapeamento coletivo sobre as localidades consideradas mais perigosas.

 

“Se você pensar no público mais vulnerável, acaba que a cidade se torna mais segura para todos”, afirma Priscila Gama, idealizadora do Malalai. “Quando se pensa em fazer uma cidade mais segura para mulheres, e hoje eu incluo pessoas trans, que estão no topo do ranking da violência social, você está pensando no conceito de desenho universal. Se eu atendo quem está na base, todo mundo que está acima vai ser atendido.”

 

 
Arquiteta e urbanista Priscila Gama, idealizadora do aplicativo de segurança Malalai. Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

 

Priscila Gama é mineira de Divinópolis, mas atualmente reside em Belo Horizonte. Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Viçosa, a profissional tem MBA em Gestão de Negócios Imobiliários e da Construção Civil, pela FGV. O aplicativo Malalai conta com a possibilidade de inserir informações sobre pontos positivos e negativos no mapa, como má iluminação, comércio aberto e em qual horário, presença de polícia e porteiros, policiamento e recorrência de assédio. As usuárias do aplicativo informam esses dados por dia e por hora. Essas informações montam um mapa colaborativo da violência, que permite identificar as rotas consideradas mais perigosas e as mais seguras.

 

“Os olhos das ruas inibem a violência”, destacou Priscila. Segundo a arquiteta, a separação muito rígida entre o público e o privado, o isolamento e a baixa iluminação são os fatores urbanísticos que mais contribuem para a criminalidade. A situação é agravada quando se trata de mulheres negras e de baixa classe social, que são o público alvo do aplicativo. “Estamos falando desse público que sai de casa quase de madrugada para trabalhar em uma área distante e volta enfrentando dois, três transportes públicos, em uma área pouco movimentada e iluminada.”

 

Desde o lançamento do Malalai, o serviço já foi utilizado por mais de 30 mil pessoas. O aplicativo foi o grande homenageado do prêmio GOL Novos Tempos 2019. A premiação celebra iniciativas que buscam democratizar a mobilidade. O nome do aplicativo faz referência à Malala Yousafzai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz. Uma das causas de Malala é a liberdade das mulheres, objetivo que converge com o foco do aplicativo em permitir a mobilidade feminina pelas cidades com segurança. A mudança, no entanto, é estrutural. Para Priscila, a estratégia mais efetiva para a construção de cidades acolhedoras para mulheres seria “um planejamento pensando por quem já viveu ou conhece de perto essa realidade.” “A gente não se propõe a ser cura de nada, somos remédio. O que eu quero mesmo é que a Malalai se torne desnecessária”, destacou a Arquiteta.

 

Ilustração de Zé Otávio para matéria sobre o aplicativo na Revista GOL

 

No momento, algumas iniciativas podem integrar mais positivamente mulheres e cidades. Além da iluminação, já citada por Priscila, a empreendedora elencou, também, a alteração das jornadas de trabalho para pessoas que se adaptam melhor à noite, para que as ruas possam ter movimento fora do horário comercial; e a obrigatoriedade que os ônibus parem fora das paradas indicadas após um certo horário, para que as passageiras possam ficar mais próximas de seu destino. Essas são medidas municipais, mas a arquiteta reforça que “devemos organizar a sociedade para não ficarmos tão à mercê do poder público”, como quando mulheres que moram perto combinam de pegar o mesmo transporte e fazer o trajeto juntas.

 

Quanto à condição profissional das arquitetas, Priscila acredita que ocorreu uma melhora, apesar de pequena. “Temos grandes nomes, apesar de ainda serem poucos comparado ao número de homens. Há casos de casais que trabalhavam juntos e só o homem ganhou o Pritzker. Há uma mudança estrutural a ser feita. Não vai mudar na Arquitetura se não mudar nos outros espaços”, reforçou a empreendedora.

 

A arquiteta pontuou que a atuação feminina na Arquitetura normalmente se restringe à Arquitetura de Interiores, que é um trabalho privado, pouco exposto. Essa relação, para Priscila, representa a recepção trabalho feminino como um todo. Para essa realidade ser alterada, dois movimentos precisam ser realizados: “Temos uma mudança interna para fazer por parte das mulheres, dar a cara a tapa. Carregamos uma síndrome de impostor de achar que nosso trabalho nunca está bom para expor para o mundo”, apontou Priscila. “E tem também o papel da sociedade, de na hora de contratar um serviço pensar em uma mulher, pois isso não vai acontecer de forma natural. Precisa ser um movimento ativo.”

 

Por Beatriz Castro, estagiária de jornalismo, sob supervisão de Júlio Moreno – CAU/BR

 

Veja também:

 

CAU/BR: DIA INTERNACIONAL DA MULHER: as ações do CAU em defesa da Equidade de Gênero

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