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Ruy Ohtake (1938-2021): mais uma grande obra que se encerra

Ruy Ohtake, falecido nessa manhã de 27 de novembro, nasceu em São Paulo em 27 de janeiro de 1938. Filho primogênito da artista plástica Tomie Ohtake e do agrônomo Alberto Ohtake é irmão do arquiteto Ricardo Ohtake, pai da atriz Elisa (com a atriz Célia Helena) e do arquiteto Rodrigo (com a arquiteta Sílvia Vaz).

 

Formado arquiteto na FAU-USP em 1960, na fase inicial de sua carreira é forte o impacto da obra de Vilanova Artigas e da chamada escola paulista, com a predominância de obras pautadas pela expressão plástica do concreto armado, caso das residências Tomie Ohtake (1966), Nadir Zacarias (1970), Fabio Yassuda (1974), Luiz Izzo (1975) e José Egreja (1975), as quatro primeiras na capital, a última em uma fazenda de Penápolis, interior de São Paulo.

 

São desse período também suas primeiras obras de caráter público – a Central Telefônica da Telesp em Campos do Jordão (1973) e as agências bancárias Banespa do Butantã (1976) e de Goiânia (1977) – e quatro edifícios residenciais preciosos, projetados para serem construídos em São Paulo pela Cia. City – Quatiara, Riachuelo, Guarapari e Humaitá, todos de 1972.

 

Mas vai ser nos anos 1990 que Ruy Ohtake irá marcar a paisagem paulistana com três referências urbanas, os hotéis Renaissance (1993) e Unique (1995), e o Ohtake Cultural (1995), um dos mais ativos equipamentos de arte e cultura do país. Há nesse período uma evidente mudança do caráter de sua obra, onde a curva e as cores, presentes desde o início de sua carreira, ganham maior protagonismo, conferindo maior dinamismo exuberância aos projetos. A fachada côncava fechada por esquadrias vermelhas e a parede externa convexa do auditório pintada em amarelo presentes na bela embaixada brasileira em Tóquio (1981) podem ser vistas como uma primeira experiência nessa direção.

 

São muitos os projetos que atestam a capacidade de Ohtake em controlar a escala urbana. O Parque Ecológico do Tietê, iniciado em 1976, com várias fases, mantém as características naturais do rio Tietê antes que seja canalizado em sua passagem pela metrópole, oferecendo à população da região equipamentos de lazer e espaços de recreação formidáveis. O Parque Ecológico de Indaiatuba, de 1989, é uma invenção do arquiteto. Convidado para realizar o plano diretor, convenceu o prefeito da época a estruturar o desenvolvimento urbano a partir de um parque linear com 8 km de extensão ao longo do córrego Barnabé. Já nesse século, Ohtake realizará o Parque da Cidade, em Mogi das Cruzes (2014), com formas e cores marcantes no desenho dos inúmeros equipamentos de esporte e lazer. E o porte das vias elevadas e das duas estações terminais do expresso Centro-Sacomã (1997) se coadunam com o ritmo frenético e a escala metropolitana da cidade.

 

Prêmios foram uma constante durante a trajetória de Ohtake, tanto os do IAB e Bienais de Arquitetura, como os conquistados em concursos de arquitetura. Seus projetos e obras foram publicados em dezenas de revistas e livros. Sua notoriedade extravasa o meio profissional e vai ser constantemente pautado pela grande mídia. O reconhecimento de sua obra pela população é motivo principal para receber a Medalha Anchieta, outorgada pela Câmara Municipal de São Paulo em 2012. Contudo, a trajetória exitosa tanto no mercado imobiliário como no conjunto de obras públicas e institucionais, e a projeção de seu nome nos meios profissional e social, não se desdobraram em reconhecimento no âmbito universitário, aonde ainda é restrito o número de teses, dissertações e artigos, discrepância que deve ser ultrapassada nos anos vindouros.

 

Nos anos mais recentes, o maior orgulho do arquiteto era o conjunto de obras no bairro de Heliópolis, iniciado em 2004 com a pintura de fachada das casas, mas que culminou com o Polo Educativo e Social de Heliópolis – biblioteca, Torre da Cidadania e unidade do Centro Paula Souza – e o conjunto habitacional, ao qual chamava carinhosamente de “redondinhos”. Durante o processo, Ohtake levou em visita à comunidade o ministro da cultura Gilberto Gil, assim como recebeu de Antonio Candido a lista de livros obrigatórios para a primeira biblioteca, improvisada em uma edificação preexistente. Suas frequentes visitas ao bairro se tornavam festas, com os moradores demonstrando carinho, respeito e reconhecimento por seu trabalho.

 

O lado engajado do cidadão Ruy Ohtake também se manifestou fora da arquitetura. Em 1986, na campanha de candidatos a deputados para a Assembleia Constituinte, ao lado de Chico Buarque, Milton Nascimento, Antônio Calado, Ignácio de Loyola Brandão, Cacá Diegues, João Batista de Andrade, Paulo Markun, Ruy Castro, Jorge Wilheim e Ruy Gama, assinou documento de apoio a Fernando Morais, do PMDB, publicado em grandes jornais paulistas. Ohtake se manteve coerente ao longo dos anos e sempre apoiou partidos e bandeiras progressistas.

 

Ruy Ohtake foi um arquiteto completo. Seu raciocínio entrelaçava o desenvolvimento da forma, a preocupação com os aspectos técnicos e sociais, a percepção estética por parte do homem comum. No seu dia a dia, ao comentar aspectos do projeto, invariavelmente se munia da lapiseira ou do bastão de giz, e desenhava na folha solta ou no quadro negro croquis e esquemas explicativos, plantas e cortes com proporções precisas. Seu trabalho, e sua vida, se pautavam por uma busca constante de harmonia entre forma bela, técnica apropriada e uso enobrecedor. Talvez isso jogue alguma luz sobre sua última frase, ouvida pelos parentes que o acompanharam até o fim: “Que beleza…”

 

nota

NE – Publicações anteriores do artigo: GUERRA, Abilio. ‘Que beleza’ foi a frase final de Ruy Ohtake, e ela orientou suas obras. Caderno Ilustrada. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 nov. 2021, p. B8; GUERRA, Abilio. Ruy Ohtake (1938-2021). Mais uma grande obra que se encerra. Drops, São Paulo, ano 22, n. 170.07, Vitruvius, nov. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/22.170/8330>.

 

sobre o autor

Abilio Guerra é arquiteto (FAU PUC-Campinas, 1982), mestre e doutor em História (IFCH Unicamp, 1989 e 2002), professor adjunto de FAU Mackenzie (graduação e pós-graduação). Com Silvana Romano Santos, é editor da Romano Guerra Editora e do Portal Vitruvius.

Uma resposta

  1. ‘Ruy Ohtake (1938-2021): mais uma grande obra que se encerra.’ Ressalvada a singeleza e pureza da chamada título da matéria, penso que o que ocorrerá será uma busca em sequência viva, positiva ao pensamento e criatividade deste excepcional Arquiteto, com pesquisas sobre sua expressão arquitetônica, conceitos e linha com viés sempre forjado pelo ineditismo, racionalidade e suavemente planando nas ideias cheias de arrojo e harmonia. Suas retas e curvas disputam e compartilham sempre o conceito do melhor na Arquitetura e no Urbanismo e seu legado representa uma gema pelo equilíbrio e beleza. Será difícil preencher este espaço com tanto primor e sabedoria como Ruy o construiu.

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